Arquivo mensais:maio 2007

diálogo infinito

– te amo.
– eu também.
– mas você tem medo de mim.
– não. só não gosto que brigue comigo.
– prometo não brigar mais.
– ótimo.
– e você?
– eu o quê?
– promete que não vai fazer mais aquilo?
– aquilo o quê?
– aquilo.
– aquilo? ah, sei. prometo. não farei mais aquilo.
– vai sim. você vai fazer tudo de novo. você não muda. você é sempre igual.
– não vou não.
– vai sim. eu te conheço. você sempre faz aquilo. eu te odeio.
– mas você não tinha dito que me ama?
– sim. te amo.
– mas você disse que me odeia.
– não. eu te amo.
– eu também.
– mas você é esquisito comigo.
– só não gosto que você brigue comigo.
– prometo não brigar mais…
– promete?
– prometo. e você?
– prometo.
– promete? aquilo?
– é. aquilo.
– duvido.
– não duvide. detesto que você duvide de mim.
– mas eu duvido. duvido mesmo. você não muda. você é sempre igual. você não muda.
– não mudo é?
– não.
– então?
– sim?
– não.
– ah! não falei? você é sempre o mesmo.
– e você não?
– eu… eu não suporto mais isso.
– então pare.
– não me mande parar. detesto que me mandem parar…
– então não pare.
– também não diga isto. detesto que finjam as coisas apenas para apaziguar.
– e eu detesto que você brigue comigo.
– não estou brigando!
– está sim.
– não. não estou.

ad infinitum.

um livro inaugurador

“fique este dia e esta noite comigo e você vai possuir a origem de todos os poemas
vai possuir o que há de bom da terra e do sol….sobraram milhões de sóis,
nada de pegar coisas de segunda ou de terceira mão….nem de ver através dos olhos dos mortos….nem de se alimentar dos espectros nos livros,
e nada de olhar através dos meus olhos, nem de pegar coisas de mim,
você vai escutar todos os lados e filtrá-los a partir de seu eu.”

estas são palavras mágicas de um poeta que inaugurou a modernidade norte-americana (não apenas por causa do verso livre, como muita gente poderia superficialmente supor) em 1855, ou seja, 54 anos antes do movimento futurista italiano e 67 anos antes da semana de arte moderna de são paulo. o abalo que whitman provocou na literatura só se compara ao de rimbaud.

o livro em questão se chama: Folhas de Relva. meu amigo oséias silas ferraz, editor da crisálida, já há algum tempo me falava desta obra. ele chamava a atenção para o fato de que a obra de whitman é uma imensa constelação cujo ponto de partida é a edição de 1955, que trazia apenas 12 poemas. mas 12 poemas que dão melhor do que nenhum outro uma visão do verdadeiro poeta de paumanok [nome indígena de manhatan]. oséias já tinha até começado a realizar o seu projeto de traduzir esses poemas e eu mesmo já havia revisado o belíssimo “grandes são os mitos”, poema que fecha o récueil. mas eis que no princípio de 2005 temos notícia do monumental projeto da editora iluminuras. depois, conversando com o meu amigo (que confessou certa frustração), concordamos que não poderia ter havido melhor trabalho nem melhor tradutor.

trata-se de rodrigo garcia lopes (que já nos deu outras grandes maravilhas como a melhor tradução brasileira das Illuminations, de Jean-Arthur Rimabaud). por aqui, no país da batucada e da bundocracia, eu vi aparecer muito poucos trabalhos com esse fô(le)go e essa paixão. a tradução caprichosa e um ensaio-biografia tornam o livro uma obra-prima e um puta exemplo a ser seguido por quem escreve e traduz. rodrigo teve até o fôlego de traduzir (poucos tradutores brasileiros se animariam a isto) o prefácio-manifesto que precede a obra. um maravilhoso serviço, não só aos apaixonados por poesia, mas também para a própria obra de whitman. são 320 páginas elétricas que nos introduzem a um universo pouco conhecido por aqui (por increça que parível).

saravá rodrigo!

apontamentos de arte radical

está lá no karl marx: “ser radical é tomar as coisas pela raiz. E a raiz para o homem, é o próprio homem”. tomar as coisas pela raiz! pois é. depois vieram os marxistas, os esquerdistas entre aspas e cismaram de usar o termo para designar aquelas pessoas que ficam no polo extremo, de um lado ou de outro. mas radical, não me esquecerei nunca, é tomar as coisas pela raiz. e não gosto mais de gostar de nenhum tipo de arte que não seja radical.

estou falando de arte viva. estou falando de makely ka, renato negrão, ricardo aleixo, marcelo terça-nada! e brígida campbell, zé celso martinez corrêa, juan gelman, marina abramovic. porque ninguém vai me convencer que se faz arte para os mortos. que os mortos governam os vivos. nada disso. mas nesse delírio, encontrei uns caras que vão servir de modelo para a minha arte radical. faço questão de colocar o nome deles aqui.

estou falando de oswald de andrade. eu podia simplesmente não concordar com o pirado do haroldo de campos, que escreveu sobre ele um texto chamado “uma poética de radicalidade”. mas o fato é que ele está certo. oswald é o fundador da modernidade no brasil. e como ele já dizia: “só a antropofagia nos une”. é ela que nos torna brasileiros. é ela que nos permite essa constante transformação do tabu em totem.

o outro radical é também um antropófago. só que italiano. pier paolo pasolini. sendo ele italiano, a antropofagia tem outro sentido: ela não o une a nenhum italiano, mas a todos os homens que vêm do terceiro mundo. daí existir uma puta relação entre pasolini e um outro radical: glauber rocha. pasolini era socialista roxo, mas não concordava com as concessões em favor de um autoritarismo primitivo que se faziam sempre os socialistas. então ele se lembra da oréstia, de ésquilo:

você leu a oréstia, de ésquilo? há pouco traduzi a peça. o contraste entre um estado democrático – mesmo que toscamente democrático e o outro tirânico e arcaico. o ápice da trilogia é o momento em que a deusa atena, a razão, institui a assembléia dos cidadãos que julgam com direito a voto. mas a tragédia não acaba aí. depois da intervenção racional de atena, as erínias – forças desenfreadas, arcaicas, instintivas, da natureza – sobrevivem – são deusas, são imortais. não podem ser eliminadas, não podem ser assassinadas. devem ser transformadas, deixando intacta a substancial irracionalidade que as caracteriza, istó é, mudando as “maldições” em “bênçãos”. os marxistas italianos não se propuseram esse problema, e acho que os russos também não.

e eu concordo com o pasolini. mas hoje estou brincando de citar. e cito outro radical genial, nelson rodrigues: “o ser humano só tem salvação se tomar consciência das suas próprias misérias.”

o cheiro do ralo

dia desses, eu e patrícia fomos assistir a dois filmes brasileiros no cinema. do primeiro eu já me esqueci o nome. o outro se chama “o cheiro do ralo”. sobre o primeiro, não há muito o que dizer, a não ser que está em cartaz no usina neste momento, dividindo (infelizmente) a sala com “o cheiro”. aliás, tem mais uma coisa. me irrita muito uma linha de filmes que sai no brasil já há muito tempo: são filmes bobos, moralistas, que trazem discussões como “onde vai parar esta juventude”, filmes onde se nota claramente que o diretor “queria” dizer algo, filmes com uma fotografia péssima, sem intenção no desenho da imagem. filmes ingênuos, enfim.

já o cheiro do ralo não. é um filme cruel e engraçado como deve ser. as cenas são simples, o “cenário” sem grandes invencionices e mesmo assim, maravilhoso. ouvi dizer que a galera que fez o filme teve que ralar pra fazê-lo, porque faltou grana, porque faltou de tudo. isso me impressiona, mesmo.

no dia que fomos assistir, a sala estava lotada. todo mundo anda falando deste filme. mas agora, já passadas duas semanas que esteve em cartaz (na primeira semana na sala 2, segunda maior do cinema; na segunda semana na sala 3, uma das pequenininhas) o filme já divide um ambiente com uma bijuteria qualquer, de lata, sem vida, prestes a morrer antes que qualquer comercial de tv. uma pena.

“o cheiro do ralo” é um dos melhores filmes que vi nos últimos tempos. e olha que tenho visto muitos e de tudo quanto é lugar. quem puder, não deixe de ir. ainda tem tempo.

sumido

para os 987.725 leitores que freqüentam este sítio, devo uma satisfação: meu sumiço (o mais longo desde o nascimento deste blogue) não é porque parei de escrever, onde já se viu? não sou desses que escrevem quando tem tempo. escrevo porque preciso, escrevo porque impreciso. e meu silêncio é meu melhor poema. mas na internet eu entro (isso sim) quando me sobra um instantinho, nos intervalos entre o aqui e o ali.os primeiros meses do ano foram repletos de acontecimentos e trabalhos, o que me tem impedido de parar para dar notícias por aqui.

mas diz aí pro pessoal da redação que eu tô voltando. com novas notícias novas. as idéias mais afiadas. o sangue fervendo na veia. paganismos. o kaos e o kosmos. papeizinhos crepitando na fogueira da alma, loucos para virar poesia.