Arquivo mensais:março 2008

Máscara Negra – Léopold Sédar Senghor

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Máscara negra

A Pablo Picasso

Ela dorme e repousa sobre o candor da areia
Kumba Tam dorme. Uma palma verde vela a febre dos cabelos, a fronte curva cobre
As pálpebras fechadas, corte duplo e têmperas seladas.
Esse estreito crescente, este lábio mais negro e até pesado
– onde o sorriso da mulher cúmplice?
As patenas das bochechas, o desenho do queixo cantam o acordo mudo.
Rosto de máscara fechado ao efêmero, sem olhos sem matéria
Cabeça de bronze perfeita e sua pátina de tempo
Que não suja ruge nem rubor nem rugas, nem marcas de lágrimas nem de beijos
Oh rosto tal como Deus te criou antes da própria memória das eras
Rosto do amanhecer do mundo não te abra como um colo terno para emocionar a minha carne.
Eu te adoro, oh Beleza, com meu olho monocórdio!

Masque nègre
A Pablo Picasso

Elle dort et repose sur la candeur du sable./Koumba Tam dort. Une palme verte voile la fièvre des cheveux, cuivre le front courbe/ Les paupières closes, coupe double et sources scellés./Ce fin croissant, cette lèvre plus noire et lourde à peine/ – où le sourire de la femme complice?/Les patènes des joues, le dessin du menton chantent l’accord muet./Visage de masque fermé à l’éphémère, sans yeux sans matière/ Tête de bronze parfaite et as patine de temps/Que ne souillent fards ni rougeur ni rides, ni traces de larmes ni de baisers/O visage tel que Dieu t’a créé avant la mémoire même des ages/ Visage de l’aube du monde, ne t’ouvre pás comme um col tendre pour émouvoir ma chair./ Je t’adore, ô Beauté, de mon oeil monocorde!

*

Postei este poema, atendendo ao pedido do Mateus, leitor deste blogue, segue o poema “Máscara negra” de Léopold Sédar Senghor, em tradução minha.

Dedicado a Pablo Picasso este poema testemunha uma epifania do poeta diante do pensamento do pintor. Segundo o próprio Senghor, a obra de Picasso, sua paixão pelo primitivismo, o fez repensar sua condição de africano na época em que vivia em solo europeu, num período em que a ideia da Negritude apenas fervilhava nas cabeças dos jovens poetas que moravam em Paris.

Consta que Picasso alimentava uma certa paixão pela tradição pictórica da África e, ao entender que uma máscara nas culturas animistas não é uma mera escultura, mas uma arma, uma ferramenta, afirmou: “Se damos formas aos espíritos, nos tornamos independentes”. Com isso, também pôde compreender melhor o sentido de sua própria pintura.

risério n’o tempo

a utopia brasileira e os movimentos negros, livro de antônio risério (editora 34)por ocasião do lançamento do livro “A Utopia Brasileira e os Movimentos Negros”, o poeta e antropólogo baiano antônio risério concedeu, no último dia 05, uma entrevista a joão pombo barile, do jornal mineiro O Tempo. sério pesquisador da cultura brasileira, risério comenta alguns dos assuntos mais polêmicos na atualidade. chamo a atenção para o fato de que ele propõe uma visão muito mais lúcida e com visão ampla dos fatos do que a maioria do que anda sendo falado por aí sobre assuntos como: racismo, cotas para negros na universidade, a situação de negro no brasil e um tema muito pouco falado (pois por aqui ainda vigora nas cabeças o maniqueísmo negro x branco), mas que a meu ver é a base da questão social brasileira: a questão da mestiçagem. vale a pena dar uma olhada. deixo apenas uma palhinha e os links:

João Barile: No seu livro fica claro que, para o senhor, a mestiçagem é um processo biológico e cultural e não pode servir como um mecanismo de redução das distâncias sociais. Mas aí fico pensando naquela letra do Caetano Veloso e do Gilberto Gil, “Haiti” (“E são pretos/ e são quase pretos de tão pobres…”). Se a pobreza entre nós não tem cor, também não dá para dizer que os negros não sejam maioria…

Antônio Risério: O que eu digo é que mestiçagem não é sinônimo de igualdade, nem de harmonia social. Não exclui o preconceito, o conflito. E o Brasil é a melhor prova disso. É claro que boa parte dos negromestiços brasileiros vive em situação infra-humana, sem acesso aos serviços públicos mais elementares, ganhando pouco, morando e comendo mal, com baixa ou nenhuma escolaridade. Mas não só eles. Nem todos os pretos são pobres e nem todos os pobres são pretos. Eu não digo, em momento algum, que a pobreza no Brasil não tem cor. É o contrário. Ela tem muitas cores. Basta entrar numa favela paulista para constatar isso. Na Amazônia, os negro-mestiços não constituem a maioria dos pobres. Esta maioria é cabocla, de ascendência indígena. Há muitos brancos pobres no Rio Grande do Sul, no Paraná, em Santa Catarina. Por outro lado, cidades como São Paulo e Salvador já tiveram prefeitos pretos, a exemplo de Celso Pitta e Edvaldo Brito. E hoje existe uma classe média negra no Brasil, estimada em mais de 10 milhões de pessoas, segundo a Associação Nacional de Empresários Afro-Brasileiros. É para esses mulatos mais escuros que existem coisas como a revista “Raça” e todo um elenco de produtos cosméticos e vestuais. É certo que não é suficiente. Mas a promoção da inclusão social no Brasil não deve se pautar por linhas étnicas rígidas. Nossa pobreza não é somente negra. “Haiti” é uma composição que fala de Salvador, cidade marcadamente negro-mestiça. Mas não faria sentido algum se a sua referência fosse Belém ou Manaus.

para ler a entrevista na íntegra, clique aqui

não macule a minha faca

photomaton & vox

revisando:

programa para quinta-feira:
ver a performance photomaton & vox
do coletivo “não macule a minha faca”,
composto por letícia féres, julius e frederico pessoa.

a apresentação será amanhã, dia 27 de março às 19h
no oi futuro
avenida afonso pena, 4001 – térreo
bairro mangabeiras
informações no (31) 3229 3131

ou se não quiser ligar, dê uma olhada nos seguintes endereços:

www.naomaculeminhafaca.org

www.atrasdosolhos.wordpress.com

campo coletivo no mariantonia (em sp)

“campo coletivo” é uma exposição que acontece no mariantonia a partir de 27/3 de 2008, quinta-feira, às 20h e que reúne: poro (bh/mg), cine falcatrua (vitória/es), laranjas (pa/rs), gia (ssa/ba) e espaço coringa (sp/sp), sob curadoria de fernanda albuquerque e gabriela motta.

além da produção dos grupos, a exposição terá uma midiateca que agrupa materiais gráficos (panfletos, cartazes, registros e publicações produzidos pelos participantes), projeções de vídeo, ativações e biblioteca.

a midiateca conta ainda com uma máquina de xerox e um computador para que seu conteúdo possa ser copiado pelos visitantes (leve seu dvd).

para mais informações, leia a notícia completa no blogue do marcelo terça-nada!

milton césar pontes: viver de poesia

o poeta milton césar pontesde um tempo pra cá, sempre que vou ao edifício maletta, seja de noite ou de dia, encontro com milton césar pontes. ele está sempre vendendo seus livros, falando obscenamente sobre todo tipo de assunto. coisas do mundo, de preferência.

a figura dele me lembra paulo leão. não que eles escrevam coisas parecidas. leão era um poeta materialista, um beatnik do terceiro mundo. e o milton é um sujeito abstrato, sonhador, um sedutor. não que eles se pareçam fisicamente. quando conheci paulo leão, ele já estava bem gasto e andava muitas vezes como indigente pelas ruas da cidade. meio rosto amassado pelo ônibus que o pegou bêbado atravessando a rua. e o milton, embora um bêbado assumido, é um jovem bonitão, com planos românticos de escolher a própria morte numa noite em que será odiado pelos companheiros de copo.

leão estava mais para um françois villon, um poeta indigente e ladino que lutava para viver do que escrevia. e o milton é um sonhador romântico, um byron bebum, um shelley chulé, um ladino performer. e também luta para viver do que escreve, como fazia leão, vendendo seus poemas desavergonhadamente nas mesas dos botecos da cidade. e os dois levam a poesia a sério. vendem o que arrancam de dentro com muita dor.

nunca vi o milton perguntando pra ninguém se gosta de poesia. muito menos o leão. já vi muito poeta nas imediações do maletta me perguntando isso. e o que eles vendiam não tinha poesia em lugar nenhum. nem no modo de apresentá-la, muito menos no impresso. pode ter certeza: se me perguntarem se gosto de poesia por aí, direi que não. mas o milton faz poesia com o corpo, com o despudor, com sua voz de radialista mal empregada em falar poemas. ele almeja, como todo poeta que se preze, poder escrever “poeta” na hora de preencher nos dados pessoais o lugar destinado à profissão.

eu me comovo com a causa. sinceramente e sem ironias, me comovo de verdade com a causa. talvez a glória de paulo leão tenha sido conseguir o título de poeta ao menos no atestado de óbito (os tabeliões queriam colocar “indigente”). milton consegue ir mais longe. é um empreendedor. faz de seus livros um projeto de vida. publica, arruma saídas, meios, soluções práticas e financeiras.

outro dia me veio com uma proposta: “você compra o seu lote através da planta, agora também pode comprar livros. na planta!” e me estendeu todo o projeto de um livro que estava prestes a sair. tinha já a capa, alguns poemas do miolo, um comentário publicado pelo jornalista e poeta alécio cunha no hoje em dia. a pessoa investia irrisórios R$20. e em breve, o livro indo para a gráfica, o leitor receberia em suas mãos um livro prontinho, novinho em folha.

fiquei emocionado com a idéia. achei de uma simplicidade e de uma sabedoria! fiquei me lembrando dos inúmeros poetas que chegam até a mim perguntando como se faz para se publicar um livro de poemas, como arrumar grana, se dá grana. admiro muito isso. talvez eu o imite algum dia, à minha maneira.

não quero discutir aqui a qualidade dos seus versos. pode reclamar quem quiser: pra mim, isso tudo que contei faz do milton um grande poeta. e eu o admiro por isso.

a crise do ensino

a crise do ensino não é uma crise do ensino; não há crise do ensino; jamais houve crise do ensino; as crises do ensino não são crises do ensino; elas são crises de vida; elas são crises de vida parciais, eminentes, que anunciam e acusam crises da vida geral; ou, se preferirmos, as crises de vida gerais, as crises de vida sociais agravam-se, misturam-se, culminam em crises do ensino que parecem particulares ou parciais, mas que, na realidade são totais, porque representam o conjunto da vida social; (…) quando uma sociedade não pode ensinar, não é, de modo algum, porque lhe falta eventualmente um aparelho ou uma indústria;

quando uma sociedade não pode ensinar, é porque essa sociedade não pode ensinar-se, é porque ela tem vergonha, é porque ela tem medo de ensinar-se a si própria; para toda a humanidade, ensinar, no fundo, é ensinar-se; uma sociedade que não ensina é uma sociedade que não se ama, que não se estima; e esse é justamente o caso da sociedade moderna.

charles péguy, 1904

ronald polito na biblioteca girapemba

folhas de girapemba - ana maria ramiro

ronald polito está lá nas folhas de girapemba, da poeta, minha poeta camarada ana maria ramiro. testemunho de uma experiência poética multilíngüe, você encontra lá, também, poemas de joan brossa, adolfo montejo navas e renato leduc, além dos surpreendentes “Inferno: estação central” e “Luta”, de polito.

a essas alturas, a biblioteca girapemba já se torna imprescindível. a proposta é simples: ana entrevista sempre um poeta ao gosto dela, pergunta um pouco sobre sua formação, seus poetas favoritos e organiza tudo no blogue. por lá já passaram, além do ronald: lau siqueira, thiago ponce de moraes, linaldo guedes, marcelo sahea, claudio daniel e até este salamalandro que vos fala.

para conferir tudo isto, clique na etiqueta: biblioteca