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Solte os demônios

No dia 15 de dezembro, próximo sábado, acontecerá em São Paulo a Iara e Amigos na Serralheria, das 15h a 1h. Será uma super festa, para soltar os demônios.

A programação inclui:

Sarau. O sarau “Solte seus demônios”, que abre a festa, é comandado por Vanderley Mendonça, editor do selo Demônio Negro, e Caroline Ramos, que também coordena o sarau No Parque. A cantora Rafaela Rabesco fará leituras, o poeta e flautista Gabriel Rath Kolyniak fará dupla com Vanderley Mendonça. No Sarau estarão: Adrienne Myrtes, Aleksandro Costa, Ana Rüsche, Caroline Ramos, Eduardo Lacerda, Gabriel Rath Kolyniak, Juliana Bernardo, Leo Gonçalves, Lia Testa, Luiz Roberto Guedes, Luiza Leite, Marcelo Ariel, Pedro Tostes, Polyana De Almeida Ramos, Rafaela Rabesco, Tatiana Podlubny, Vanderley Mendonça

Lançamentos e Relançamentos. Anotações Noturnas, de Tatiana Podlubny (vencedora do concurso) e Exinter, do trio Ana Gabriela Iasi Pilch, Michael P. Chalmer e Rosângela Machado Fernandes; Não contei o nome dos dias, do fotógrafo Francisco Costa Lima e Eu me livro, da artista visual e poeta Ana Estaregui. O coletivo Quinete, composto por Felipe Valério e Pedro Mattos, lançará o livro Encosto não se discute.

A Revista Córrego relançará todos os seus números e alguns amigos queridos relançarão seus livros na festa. São eles: Eis o Mundo de Fora de Adrienne Myrtes (Ateliê Editorial); Dedos não Brocham de Alessandra Safra (editora Dracon); Nós que adoramos um documentário de Ana Rüsche; Outro dia de Folia de Eduardo Lacerda (Editora Patuá); Sangue de mim de Polyana Almeida Ramos (Editora Patuá); A gente, que comemos corpos de Tania Pescarini e o livro de artista Pan ku do fotógrafo Bruno Sandini.

Exposições. Kátia Fiera, Ana Estaregui, Bruno Mendonça, Gina Dinucci, Guilherme Falcão, Fernanda Grigolin, Francisco Costa Lima, Coletivo Quitenete e Rafaela Jemmene.

Acervo Móvel. A plataforma artística sobrelivros irá levar títulos selecionados de seu Acervo Móvel de publicaçõe de artista s e múltiplos. As obras serão expostas, sob curadoria de Rafaela Jemmene e Bruno Mendonça.

Mostra de videoarte. Mostra “Do Papel ao Vídeo”, com curadoria de Bruno Mendonça. Entre os artistas da mostra estão: Felippe Moraes, Fernanda Figueiredo e Eduardo Mattos, Fernanda Grigolin, Katia Fiera, Leticia Rita, Patricia Francisco, Rafaela Jemmene, Raquel Stolf, Renato Pera e Paula Ordonhes.

Biblioteca de Poesia . Coordenada pelos editores Eduardo Lacerda (Editora Patuá), Fernanda Grigolin (Publicações Iara), Vanderley Mendonça (Demônio Negro) e a escritora e roteirista Luciana Miranda Penna, o princípio é criar um acervo de poesia, sem vínculos com instituição pública, de doações dos autores e editores, para promover a difusão da poesia contemporânea. A Biblioteca fará itinerâncias em diversos espaços e agregará novas pessoas para construir o projeto.

Dia 15/12 das 15h a 1h da manhã na Serralheria
Rua Guaicurus, 857 – Lapa
São Paulo

Saiba mais no www.publicacoesiara.com.br

11 de setembro dez anos depois

(Clique na imagem para me ouvir falar o poema WTC Babel S. A.)

Já não somos mais os mesmos desde o dia 11 de setembro de 2001. Nossa percepção estética, nossa visão de mundo, as bases da negatividade nietzschiana que nos habitavam ganharam novos aspectos desde o atentado ao World Trade Center.

Muita gente se levantou contra este fato, tocados pelos milhares de mortos. No entanto, não foram os mortos que alteraram nosso olhar. Mesmo porque não os vimos. O atentado do WTC foi o espetáculo trágico mais higiênico da história: nenhuma gota de sangue foi exposta. Apenas poeira. Apenas escombros. Frames. E a inauguração da estética do looping, adotada em todos os noticiários sensacionalistas desde então.

Godard dizia que o cinema jamais seria o mesmo depois de Auschwitz. Poderíamos repetir a fórmula e dizer: nossos olhos já não são mais os mesmos depois do 11 de setembro.

Cresci sob o clima da guerra fria. Ao longo da infância e da adolescência, assisti e por vezes participei de maniqueísmos falseadores. Super Homem contra Lex Lutor. He-man contra o Esqueleto. O bem contra o mal. Não era possível gostar de Beatles se você gostasse de Rolling Stones. Led Zeppelin ou Deep Purple. USA ou URSS.

O mundo mudou. A queda do muro de Berlim, o fim da União Soviética, as mudanças nas aparências políticas soavam amargas. Talvez ninguém mais se lembre, mas até o dia 10 de setembro de 2001, o mundo ainda olhava amedrontado para o fantasma do socialismo e a bomba atômica escondida por detrás dele (que poderia ser lançada por ele ou por seu arqui-inimigo, o fantasma do capitalismo). Ao amanhecer do dia seguinte, começava a tentativa de implantação de um novo maniqueísmo, um maniqueísmo que pretendia se tornar absoluto. O mais fácil de todos os maniqueísmos, posto que o inimigo era milenar: o islamismo. Saímos da guerra fria para a guerra morna, a guerra descafeinada.

Mas o que importa, a alteração ocorrida nas nossas relações humanas não dizem respeito ao acontecimento em si. O que há é que o atentado coroou um aprendizado que vínhamos desenvolvendo ao longo das últimas décadas do fin-de-siècle: a reconciliação dos aparentes opostos. Casamentos de céu e inferno. Novos reencontros de raças. Novas mestiçagens poéticas e inusitadas. Nomadismos transbordados da filosofia.

Já não nos é permitido olhar para as coisas de maneira generalizada, como tão bem aprendemos com as fórmulas da mídia. A comunidade-mundo se tornou pequena. Não apenas a internet nos deu a impressão de proximidade: há também uma melhoria e acessibilidade aos aeroportos. O fenômeno não é apenas brasileiro.

Desde o acontecimento, aprendemos que é urgente e necessário saber olhar através. Aprendemos que o sistema político que nos governa hoje já não é o capitalismo, mas o capital. Que o comunismo ficou insosso e, depois da revelação do que ocorria nos bastidores de suas ditaduras, nos parece hoje tão cruel quanto o nazismo. Que o mundo de aparências que os políticos produzem para os nossos olhos já não basta. Que a normalpatia já não nos salva.

Mas mais importante do que tudo isso: há dez anos que descobrimos que as palavras realmente importam. O WTC pode ter sido fruto de uma algaravia, resultado da incomunicabilidade humana. O WTC pode ter sido uma faceta da Babel que o Sonho Americano sucitava. Mas hoje, mais do que nunca, e mesmo para honrar os mortos do atentado (que não foram em menor quantidade que os negros linchados no Mississipi, que os mortos em Hiroshima e Nagazaki, que os índios extirpados do continente americano, que os antigos sábios da oceania, os opositores às ditaduras militares da América Latina nos anos 60, 70 e 80), devemos aprender o peso das palavras. Porque mais do que nunca, poetas, elas significam. Elas importam.

Ações poéticas do Poro

Intervalo, respiro, pequenos deslocamentos. Em edição bilíngue, o livro do Poro chegou desviando discurso. Premiado pelo Programa Brasil Arte Contemporânea da Fundação Bienal de São Paulo e Ministério da Cultura, é um trabalho belíssimo e de extremo cuidado com mínimas minúcias, cores, palavras, pixels. Organizado pelo Marcelo Terça-Nada e a Brígida Campbell, tem edição bilíngue (inglês-português) e traz textos de: Daniela Labra (pesquisadora e curadora – Rio de Janeiro), André Mesquita (pesquisador e ativista – São Paulo), Newton Goto (artista, pesquisador e curador – Curitiba), André Brasil (pesquisador da área de comunicação – Belo Horizonte) , Wellington Cançado & Renata Marquez (arquitetos, curadores e pesquisadores – Belo Horizonte), Anderson Almeida (escritor – Belo Horizonte), Luiz Carlos Garrocho & Daniel Toledo (pesquisadores e criadores cênicos – Belo Horizonte), Ricardo Aleixo (poeta, curador e ativista cultural – Belo Horizonte).

Para saber mais, clique no link:
www.poro.redezero.org/livro/

hoje eu decidi fazer um soneto

hoje eu decidi fazer um soneto.
do meu jeito, não tenho pretensões
de ser vinicius, mattoso ou camões.
hoje eu decidi fazer um soneto.

em segredo: vai que surgem espiões
da cia ou qualquer serviço secreto
ou mesmo um escritor analfabeto
querendo engalobar meus palavrões.

ou pior: vai que um crítico perverso
depois de escarafunchar o meu verso
encontre mensagens subliminares.

não. por isso eu o fiz e logo
deletei dei logout lancei fogo
e fui pra rua ver os malabares.

(leo gonçalves)

Nova Música Instrumental Mineira

A notícia não é nova, mas ainda dá tempo. Está rolando agora, em BH a Mostra Nova Música Instrumental Mineira. Uma parceria entre a produtora Ultrapássaro e o Slow Food Piquenique.

Para quem não sabe, Minas possui uma das produções musicais mais criativas e consistentes no Brasil hoje. Pelo festival já passaram Rodrigo Torino, Rafael Macedo, Benjamin Taubkin, André Rocha, Juarez Moreira e muitos outros, entre oficinas e concertos que acontecem em meio a um delicioso piquenique nos parques da cidade.

Amanhã, dia 24 de novembro, teremos o grupo Madeirame e Maurício Ribeiro, no parque Lagoa do Nado às 11h. E para o próximo sábado, dia 30, a partir das 16h, no Parque Mangabeiras, tem João Antunes Quinteto e o grupo de percussão Prucututrá.

Para mais informações, é no:
www.mostrainstrumental.wordpress.com

outro poema de m. dolabela

Asilo Arkham (Redundância #2)

a Paulo Leão

mudamos de casa
mudamos pra casa ao lado
mudamos pra galeria em frente
mudamos pro Bairro da Saudade
mudamos pro Cemitério da Paz
mudamos do Curral del Rey

mudamos pro andar de cima
mudamos pros fundos
mudamos a cor do cabelo
mudamos de ramo
mudamos de telefone
mudamos e não te convidamos

mudamos de sexo
mudamos de droga
mudamos a roupa de cama
mudamos a mobília da sala
mudamos pro Asilo Arkham
mudamos enquanto era tempo

mudamos o canal de TV
mudamos a faixa do rádio
mudamos de idéia fixa
mudamos a página do livro
mudamos de ilusões perdidas
mudamos pra melhor atender

mudamos e compramos dólar
mudamos porque o mundo gira
mudamos porque a lusitana roda
mudamos de medicação
mudamos o pó de café
mudamos e passamos o ponto.

(BHZ 29 jul. 2000)

Bibliografia:
Marcelo Dolabela. Lorem Ipsus: antologia poética & outros poemas. BH: edição do autor, 2006

MD conversa com RA

Reproduzo abaixo um trecho da entrevista feita por ocasião da ZIP – Zona de Invenção Poesia &, que rolou em 2006 em Belo Horizonte. Falando sobre o Marcelo Dolabela (o entrevistado), Ricardo Aleixo (o entrevistador) comenta (mira e acerta em cheio):

Dolabela talvez seja o poeta mais sem lugar da poesia brasileira – muito provavelmente por ter a manha de observar a cena e invadi-la a partir do lugar que lhe der na veneta. Leiam suas palavras com os ouvidos bem abertos.

Marcelo, há quem o defina, taxativamente, como um representante da geração marginal. Outros já o tomam, também taxativamente, como um experimentalista radical. Qual é a sua?

A minha matriz poética é remixar, ou continuar remixando, esses dois conceitos (“marginal” e “experimental”). Sigo e persigo os pressupostos colocados pelos movimentos de vanguarda, em particular: da poesia concreta, do poema/processo e da tropicália, no Brasil; do dadá, do futurismo russo, da internacional situacionista, dos provos, do fluxus, do punk rock e da música pop de invenção, mundo afora. Como esses dois conceitos são, para a maioria, datados, sempre que alguém os usa para designar alguém é no sentido pejorativo. Assim, para esses conceituadores, ser “marginal”, “experimental” e/ou ”radical” é ser um perfeito idiota, alguém que está totalmente sem sincronia com o que se faz hoje. Não ligo. Como a velha escola, digo “deixa falar”. Pra mim, só vale a pena sendo assim.

Poesia & tecnologia é um tema que perpassa todo o seu fazer artístico. Fale um pouco a respeito. Se possível, faça uma síntese dos momentos-luz desse tema no âmbito da modernidade – enquanto prática – e nos conte como é que sua poesia participa desse debate, na atualidade.

Gosto de um conceito do Décio Pignatari, o de “mídia auxiliar”. O artista deve, para se manter inventivo, migrar, dialogar e incorporar outras linguagens. Assim, minha relação com o “mundo plugado” é para alimentar sempre a caldeira com novos combustíveis. Mesmo que, para isso, tenha que voltar ao início, aprender Theremin, usar velhas baterias eletrônicas, tecladinhos-casio ao lado de novidades, como Air-FX, Kaoos Pad, samplers, protools etc.

Na década de 80, creio que no Festival de Inverno da UFMG, você ofereceu um curso intitulado “Do rock and roll da poesia à poesia do rock”, estabelecendo pioneiramente uma ponte que a muitos parecia improvável naquele momento. Também me lembro de um encontro com Augusto de Campos, em Belo Horizonte, na Bienal Internacional de Poesia, em que ele, assim que o cumprimentou, perguntou, à queima-roupa, sobre Jimi Hendrix. E aí?

Curiosamente, este ano, quase duas décadas depois, estou voltando no Festival de Inverno, com a oficina: “Poesia-Experiência: do Dada ao sampler”, que tem como objetivo: Rever e experimentar [produzir] dez técnicas poéticas de vários movimentos das vanguardas históricas (Dadá, Surrealismo e Modernismo), das “vanguardas tardias” (Beat Generation, Poesia Semiótica, poema/processo e Arte Postal) e das pós-vanguardas (Poema Intersemiótico e Poesia Sonora). Pretendo fechar o ciclo. Se antes, o objetivo (diacrônico) era aproximar coisas díspares para a época, agora, incronicamente, pretendo mostrar que a questão é mais de roupagem do que de linguagem. Jimi Hendrix, nesse cenário, é, sem dúvida, um dos artistas mais paradigmáticos, pois quebrou todos os limites entre os extremos práticos e conceituais.

Entrevista colhida no jaguadarte

Em tempo: leia também no jaguadarte o texto “O label de dolabela”, uma das raras (mas ainda necessárias) apreciações existentes à obra do Marcelo Dolabela, escrita pelo Ricardo Aleixo por ocasião do lançamento da antologia Lorem Ipsus.

Para acabar com o juízo dos críticos

Sempre tive um pé atrás com as críticas que topam manifestar juízos sobre o que presta e o que não presta. Tenho para mim que toda teoria que parte de um único ponto de vista acaba por se tornar unívoca e, por isso mesmo, equívoca. Aprendi muito cedo que o projeto poético alheio deve ser respeitado, mesmo que eu não goste dos seus princípios ou os seus fins. Cada pingo no seu i, alguns iis com seus acentos. Repito o lugar comum de que “não gosto de poetas, nem de poesia, gosto de poemas”. Mas não serei eu a tomar partido ante o que supostamente presta ou não presta. Uma base teórica costuma ter a pretensão de basear-se em conceitos. Todo bom conceito precisa funcionar como uma ferramenta de pensar. Mas se um conceito segue sendo usado para engendrar juízos de valor, ele logo se tornará um pré-conceito. Na verdade, todo juízo de valor, feio ou bonito, bom ou ruim é sempre um preconceito, um pré-juizo que nada tem a ver com a arte em si.

A chegada da obra de Ezra Pound na cultura brasileira, nos anos 50 e 60 através dos concretistas e de Mário Faustino foi providencial. Nos dias de hoje, o discurso insistentemente neopoundiano está obsoleto e mal utilizado. E não é culpa das idéias dele. É que elas cansaram de servir a tudo. Vivemos uma época de tantas incertezas que ficamos sem perceber que neste assunto nada mais foi investigado, proposto, acrescentado. Aprendemos muito pouco sobre Pound depois dos concretos. Falar dele em língua portuguesa é lê-lo fora de seu contexto. Seria necessário pensar em toda a poesia de língua inglesa desde sua época até os dias de hoje, com suas várias gerações de artistas que pegaram a lição do velho Pound e a aproveitaram à sua maneira. Dos beats ao slam, muita coisa passou desapercebida no lado debaixo do equador. A language poetry e o concretism são apenas manifestações tímidas e localizadas em meio ao turbilhão revolucionário da língua de Blake e não são as mais radicais, e já temos Jerome Rothenberg que colocou recentemente os poetas xamãs esquimós do Canadá ao lado de Augusto de Campos no setor destinado à poesia visual em sua antologia Poems for the millenium.

Noto que, com o tempo, os críticos se apegam aos juízos e se esquecem que Pound queria uma poesia sem literatura, que ele incitava os artistas da língua a escrever no idioma vernacular falado (não será exatamente o que Mallarmé também sonha quando diz em seu poema, já com a carne triste depois de haver lido todos os livros e pensado seriamente em fugir: “entends le chant des mâtelots [ouve a canção dos marinheiros]”?) e que o seu paideuma, (ou mãedeuma) era proposto apenas como um dentre os muitos possíveis ou não passava de filhodeuma.

O discurso dos ditos “de vanguarda” está gagá. Até mesmo a pretensa “tradição da ruptura” de Octavio Paz, (aquela teoria segundo a qual a tradição da poesia moderna consiste em romper com o passado, ou seja, a tradição de romper com a tradição) já perdeu o sentido. Afinal, romper com o que? Com que tradição podemos romper se já não nos apegamos a nenhuma. Se Bauman está certo em dizer que vivemos em “tempos líquidos”, vamos quebrar o quê?

Não é de hoje que leio poetas-críticos respeitáveis que não conseguem esquecer as lições dos concretos. Em plena era pós-2000, ainda alardeiam os mesmos adágios que Haroldo e Augusto de Campos andaram repetindo com maestria ao longo dos últimos quase 60 anos (!) mas com uma nota decadente, já que estão ocupados mais que tudo em fazer com que a literatura (a poesia incluída como literatura) entre pelo cânone. Procuram não-linearidade na criação literária, acham proibido falar de qualquer coisa que não seja o próprio poema no poema, negam a importância do idioma vernacular e esperam grandes pretensões do mero ato de fazer poesia por fazer. Para completar, veneram a importância das ditas “grandes obras” e citam poetas de prestígio unânime, “canonizados”. Ou seja, querendo se dizer amantes do difícil, acabam recorrendo ao fácil (existe coisa mais fácil que aceitar como “bom” aquilo que já é inquestionadamente aceito por todos?).

Todas as grandes descobertas passam por um primeiro momento em que ficam acessíveis apenas aos pesquisadores mais avançados e depois se tornam de uso comum. Os irmãos Campos foram vanguarda nos anos 50 e mantiveram uma chama acesa durante décadas num país fadado à burrice. Mas hoje em dia, eles são leitura obrigatória do jardim de infância de qualquer poeta brasileiro que se preze. Repetir essas teorias como se fossem a grande resposta depois de haver alcançado a idade adulta, é sintoma de alguma paranóia ou então estamos diante de um estranho conservadorismo, justo ali onde o crítico se quer mais avançado. Pois não foram os próprios poetas concretistas que a princípios dos anos 80 exortavam seus discípulos Paulo Leminski, Waly Salomão, Antônio Risério, Régis Bonvicino a romper com o concretismo?

É preciso acabar com o julgamento e a sanha classificatória dos literaturistas. Isto sim seria romper. O que podemos depreender de todo o processo civilizatório da cultura brasileira até aqui é que fomos, na maior parte do tempo, um povo reverente a tudo o que cremos ser la crème da civilização. No intuito de “fazer parte”, nós brasileiros acabamos boiando. Nos esforçamos incansavelmente para negar nossa barbárie que é, a bem da verdade, nosso maior patrimônio e o que nos coloca na vanguarda dos povos, ao lado dos bororo, os hotentotes, os taraumaras, os maori. Para quê se esconder por detrás das palavras? Se continuarmos a perder tanto tempo com juízos, escolhas do que é bom ou não, classificações e etiquetamentos, logo chegaremos ao século XIX ou ao manicânone. Convenhamos: a linearidade só pode ser um problema para aqueles que têm fé na linearidade de suas vidas. A poesia, “religião original da humanidade” (Novalis) é liberdade da linguagem (Leminski). E liberdade é ter todas as opções à mão, sem interditos. Se é para seguir o pensamento crítico de Ezra Pound, então por favor, que se possa pelo menos “make it new”.