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carne viva aos vivos

“carne viva” de marcelo sahea. edição do autor, 2003

a minha ida a brasília no último novembro foi, talvez, a semana mais importante do meu 2007. dentre as muitas coisas boas que fiz (pouco a pouco elas vão aparecendo aqui), destaco um momento, alguns pouquíssimos minutos, em que estivemos na companhia de marcelo sahea, e pudemos trocar presentes. ganhei dois belos livros: “carne viva” e “leve”. dois livros delicados, tão pequenos que quase cabem na palma da mão e com um conteúdo de rasgar o ventre!

pois é. esse sahea, que é um dos melhores poetas da minha geração (e olha que me considero parte de uma geração privilegiada!), tomou uma excelente iniciativa: ele acaba de disponibilizar o seu primeiro livro “carne viva” para baixar. eu recomendo. o processo é simples e barato: basta ir até o site do marcelo (www.sahea.net) e clicar lá no link. quer mamata maior?

bem, se não estiver conseguindo, clique aqui que o marcelo te explica.

notas sobre a vanguarda distraída

depois de escrever o post anterior, recebi inúmeros emails, cartas e mensagens de celular me criticando pelo termo criado para designar a poesia do meu amigo. a linha principal da crítica, (a única que acho pertinente) propunha que, sendo vanguarda, ninguém poderia ser distraído. era, portanto, uma contradição em termos. um dos meus críticos mais duros, inclusive, fez questão de ressaltar que numa guerra, a vanguarda exerce um papel essencial: é sempre o primeiro batalhão a enfrentar o inimigo e que portanto ninguém podia estar neste posto distraído.

isso tudo me divertiu muito. e resolvi, como resposta, acrescentar algumas notas:

1. não se trata de contradição. como vocês puderam notar, a poesia do anderson é mordaz e atenta ao melhor do que acontece ao seu redor. alguém terá notado também que a minha geração cresceu sob o poder daquilo que chamam “cultura de massas” ou “entretenimento” (vulgo xuxa, fausto silva, ana maria braga e outros lixos enlatados). vocês não queriam que eu dissesse: “vanguarda entretida”, queriam?

2. jerzy grotowski foi um importante teórico do teatro que nos anos 60 propunha que a ação teatral se fazia graças a uma difícil tensão que ocorre entre o ator e o espectador, sendo que este ocupa um papel opressor por não se ver, na maioria das vezes, preparado para curtir uma peça e sim para consumi-la. no começo dos anos 70, cansado desta tensão, grotowski decidiu abrir mão dela para produzir um teatro total. ao final, ele diz: se vocês quiserem considerar isto teatro ou não, pouco me importa.

grotowski é um precursor da vanguarda distraída.

3. me diverte muito a idéia de que alguém venha a levar a sério o título que dou aos meus contemporâneos (incluindo-me a mim mesmo). onde já se viu… vanguarda distraída.

4. podia escrever um manifesto. até mesmo porque manifestos já estão fora de moda. por isso mesmo. cairia bem.

5. enganam-se redondamente aqueles que (como o frei betto) ficam por aí dizendo que a minha geração só possui alienados despolitizados que só querem fazer parte do sistema mundial de competitividade proposto pelo capital tio sam. o que nós queremos é comer todo mundo. discretamente, como bons mineiros. numa grande mordida de prazer (se o prato for nutritivo) ou num grande bocejo (se o prato só tiver carboidratos – como o frei betto).

6. fico triste de ver como que toda e qualquer subversão é rapidamente assimilada pelo sistema mundial de consumo. che guevara, lenin, leon trotsky, jozef stalin, marilin monroe, john lennon, jim morrison, bob dylan, cicciolina, andy warhol. todo mundo pode ser tranquilamente jogado na mesma lixeira. por outro lado, vejo que o pessoal até que ganha um dinheirinho com isso. o que não é nada mal. contanto que sobre um pouco também para os poetas. um leitinho de vez em quando, as crianças agradecem.

7. para o meu amigo guerrilheiro, com seu papo de inimigos, eu confesso: fui eu que matei paulo leminski. e enquanto agonizava com ar divertido, ele me explicava a doutrina dos epicuristas e me repetia sempre como num refrão: “distraídos venceremos”

] ao meu redor [ andityas soares de moura

o estudo me fez espirituoso

E todos os dias parecem reclamar
seu quinhão de sombra e de desassossego,
enquanto nós, com o silêncio de gestos
muitas vezes repetidos, construímos o
torpor, a catatonia de um mundo que se entrega.

(Andityas Soares de Moura, no livro FOMEFORTE)

tem um comentário do poeta irlandês w. b. yeats sobre pound, onde ele diz: “esse é um poeta de cuja teoria eu discordo completamente, mas que a ele estou ligado por questões que ultrapassam a estética” (estou citando de cabeça). agora já deve ter passado uns oitenta anos desde que yeats escreveu isso, e olhando de outro continente, em outro contexto histórico (livre dos fascismos que iludiram os dois grandes camaradas de que eu falei), posso agora brincar de gente grande e falar o mesmo sobre este meu parceiro. e falarei em forma de relato.

andityas soares de moura é um poeta português, filho de pais brasileiros e nascido em barbacena, interior de minas gerais, estado onde sempre viveu. como estrangeiro que é, onde quer que esteja, vive assumindo em sua poesia uma persona nova, que inclui uma língua e uma forma específicas. mas que ninguém se engane: todas elas transitam num mesmo espaço, onde a realidade é apenas um elemento em meio aos diferentes artifícios aos que ele se apega para os seus versos.

certa vez, num sarau que fizemos numa livraria onde trabalhei há muitos anos atrás, o andityas, tendo lido alguns dos meus poemas, me veio com a seguinte resposta: “estás compromissado com a modernidade”. pouco depois, pude ler o seu primeiro “poemário” (como ele o chama), Ofuscações. achei, e ainda acho, extremamente romântico, deslumbrado com rimbaudismos, traklismos, vangogoghismos, delírio verbal sem artifício, um tanto quanto retórico. pensei: “esse cara está compromissado com o passado.”