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Um poema de Cruz e Sousa

Lubricidade

Quizéra ser a serpe venenosa
que dá-te medo e dá-te pesadelos
para envolver-me, ó Flor maravilhosa,
nos flavos turbilhões dos teus cabelos.

Quizéra ser a serpe veludosa
para, enroscada em múltiplos novelos,
saltar-te aos seios de fluidez cheirosa
e babujá-los e depois mordê-los…

Talvez que o sangue impuro e flamejante
do teu languido corpo de bacante,
da langue ondulação de águas do Rheno

estranhamente se purificasse…
pois que um veneno de aspide vorace
deve ser morto com igual veneno…

*

Esse poema-angorô, sonata serpeante em ‘s’ e ‘z’, é um dos poemas de que mais gosto do Cruz e Sousa.

De cara, me encanta o jogo das tônicas entre abertas e fechadas “quiZERa SER a SERpe venenosa” que faz movimentos de cobra ao nos introduzir no poema. Ele faz com que o leitor ganhe um devir serpente e chupe com vontade cada curva do lânguido corpo dessa bacante que ele “quizera” abocanhar. Nenhuma palavra, sequer os adjetivos aparecem em vão. Tudo pulsa. Tudo flameja.

(Repito este post de 2006 para comemorar a disponibilização das obras completas do Cruz: http://fcc.sc.gov.br/cruzesousa/)