Arquivo da tag: dança

Poéticas Negras

Foto: Layza Vasconcelos

Gosto quando Octavio Paz desfaz a confusão entre poesia e poema: “A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de mudar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de liberação interior. (…) Oração, litania, epifania, presença”. Há poesia nas coisas. Há poesia na dança. Mas nem todas as coisas são poesia. Toda dança talvez seja poesia. A dança está para a poesia assim como o poema. “O poema não é uma forma literária, mas o lugar de encontro entre a poesia e o homem.Poema é um organismo verbal que contém, suscita ou emite poesia.”

Poética é palavra de outra natureza: não se trata aqui de uma forma literária, mas de um projeto, um devir, um fazer, conjunto de técnicas, conhecimentos, habilidades para tanger o que chamo aqui de poesia, mas que pode ser chamado também de experiência estética, travessia, encontro.

Poesia, poema, poética.

O Festival Poéticas Negras, do qual tive a honra de acompanhar e participar entre os dias 19 e 21 de novembro em Goiânia, foi um desses momentos em que a poesia se torna o próprio oxigênio do diálogo. Oportunidade única para que o núcleo de participantes pudesse chegar a interlocuções reais e profundas, amizades que prometem permanecer, diálogos que ganharão certamente desdobramentos inesperados.

A programação pequena, mas pulsante, incluindo um ciclo de debates e espetáculos, atraiu um público especialmente interessado no assunto da dança. Goiânia, que ganhou há pouco tempo uma faculdade de Dança, certamente ficará marcada por esse evento.

Merece saudação e agradecimento o trabalho das irmãs Ana Carolina e Waléria Wenceslau. Sua concepção do evento, a produção e a gestão de tudo se deram numa combinação de simplicidade e inteligência, coisa rara nesse meio onde reina um desejo de glamour e outras vaidades vazias.

Na foto acima, eu e minha parceira Kanzelumuka (Franciane de Paula) fazíamos o Poemacumba durante a “Noite das ayabás”. Esperamos que venham outros tantos (cada vez mais e melhores) Poéticas Negras como este.

Festival de Danças Poéticas Negras

A próxima parada é Goiânia. Eu e a dançarina Kanzelumuka levaremos o Poemacumba para o Festival de Danças Poéticas Negras, que acontece entre os dias 19 e 21 de novembro.

Para quem quiser saber a programação completa, aí está:

Programação Seminário Corpo Negro: entre saberes, poderes e ancestralidades
Cine Goiânia Ouro – 8h às 11h – Entrada Gratuita

19 de Novembro: Corpo Negro e a Cena Afro-Brasileira: processos criativos e colaborativos.

20 de novembro: Políticas Públicas de fomento às artes e perfomances negras.

21 de Novembro: Dança Afro – Uma dança moderna brasileira. Com exibição do filme: Balé Pé no Chão – a dança afro de Mercedes Baptista, com Marianna Monteiro.

Programação Mostra Artística Poéticas Negras
Teatro Goiânia – 20h – Ingressos: Preço único de R$ 10,00.

19 de Novembro: Objeto Gritante, Maurício de Oliveira & Siameses.

20 de novembro: O Samba do Crioulo Doido de Luiz de Abreu.

21 de Novembro: Noite das Ayábas com as performances:

Luxo de Cu com Corpo Nu – Fafá Carvalho
Paineiras – Grupo Solo de Dança
Poemacumba – Kanzelumuka e Leo Gonçalves
Moringa – Coletivo 22

Próximas paradas

Foto: Ana Airam

Emocionante o lançamento do livro, na última terça-feira, com a presenças de amigos para lá de especiais e algumas pessoas vindas de longe, como a minha queridíssima amiga Jéssica Gonçalves, que mora em Houston e, numa rápida circulada no Brasil, enfrentou 9h de ônibus para vir ter comigo e levar o seu exemplar de Use o assento para flutuar. Outro foi o Tázio Zambi, que veio de Aracaju e que já está se tornando parceiro. Mais o Marcelo Ariel, que assina o posfácio do livro, que chegou de Cubatão, o Néres que veio de Santo André. Isso sem falar nos próprios habitantes da Pauliceia que se deslocaram das casas habituais voltadas para a poesia e toparam ir até a Funarte, que fica numa região considerada inóspita (paulistanos: usem a cidade, ela é de vocês!) por muita gente da cidade. Todas essas benevolentes presenças me fazem sentir muita gratidão e os quilates de amizade conquistada em tão pouco tempo que tenho como morador de São Paulo.

Agora, lançado o livro, estreada a performance-espetáculo, saio para uma mini-turnê por algumas cidades. Segue a agenda:

No Londrix – Festival Literário de Londrina:
Sexta-feira, dia 24/8 às 17h30 no SESI Lançamento do Use o Assento para flutuar na companhia de Edison Maschio, Marcelo Montenegro, Marcelino Freire, Felipe Pauluk e Beatriz Bajo (que também estarão lançando os deles).

Sábado, dia 25/08 às 18h no SESI: mediação do bate-papo com os “poETs” (banda formada por Alexandre Brito, Ricardo Silvestrin e Ronald Augusto).

Em seguida, às 19h30, participo da mesa “Literatura, performance e outros meios”, com Maicknuclear, Carol Sanches e mediação da fotógrafa Fernanda Magalhães.

E por fim, no domingo, 26/08, participamos (eu e Franciane de Paula) da festa de encerramento do LONDRIX 2012, com a performance POEMACUMBA. A festa começa ao meio-dia na Vila Cemitério de Automóveis.

Em Belo Horizonte na mostra REDE – Terreiro Contemporâneo de Dança:
Domingo, dia 02/09 no terreiro Ilê Opô Olojukan
POEMACUMBA

Ainda em Belo Horizonte:
Sábado, dia 15/09 na Casa Una (Rua Aimorés, 1451)
Coquetel de lançamento de Use o assento para flutuar

Em Paraty:
Quinta-feira, dia 20/09, na Casa de Cultura:
17h – Roda de Jongo
18h – Bate-papo com artistas locais
19h – POEMACUMBA
19h30 – Cortejo de Maracatu rumo ao bar Camoka Cultural (na região do cais)
20h – Lançamento de Use o assento para flutuar no Camoka.

No Rio de Janeiro:
Terça-feira, 25/09 das 19hs às 21hs no CCJF (Av. Rio Branco, 241 – Centro)
PALAVRAS DE ACORDAR O CORPO
Diálogos com os autores: José Geraldo Neres – Leo Gonçalves
Mediação: Elaine Pauvolid (poeta)
Participação de: Ricardo Riso (crítico literário) Rosane Cardoso (poeta) e Tanussi Cardoso (poeta e crítico literário).

Quinta-feira, dia 27 de setembro
Cep Vinte Mil
No espaço Cultural Sérgio Porto

6º Fan – Festival de Arte Negra

O Fan é sempre um acontecimento instigante. Conceitualmente bem estruturado, chegou à sua sexta edição aos trancos e barrancos, superando a (má) vontade política e todo tipo de percalço próprio de tudo o que se tenta fazer culturalmente no país. No seu longo histórico, já teve presenças inesquecíveis como a dançarina senegalesa Germaine Acogny (em 2006) e seu filho Patrick Acogny (em 2009). Inesquecível foi também a enorme exposição da memória da escravidão (em 2002, se não me engano), a revista Roda, o show de Jards Macalé com as Orquídeas.

A programação deste ano não deixa para menos. Homenagem ao Mestre Jonas, leitura-concerto com os poetas Abreu Paxe (Angola), Nina Rizzi (Fortaleza), Ronald Augusto (Porto Alegre) e Sebastião Salgado (Rio de Janeiro), oficinas de dança e de moda, muita música. Destaque especial para a presença da belíssima cantora Susana Baca, a embaixatriz da música afro-peruana e do artista pop senegalês Youssou Ndour, atual ministro da cultura de seu país.

Uma festa para quem (como eu) gosta de diversidade e exuberância.

Clique no link para saber mais e mais sobre o Fan: www.fanbh.com.br

Changó el gran putas

“Changó, tu pueblo está unido en un solo grito.”
Manuel Zapata Olivela

Às vezes, o inusitado acontece de maneira especial. Eu estava participando do Fliv – Festival Literário de Votuporanga, quando vejo na programação do Fórum de Dança (que costuma acontecer paralelo ao Fliv) o espetáculo Changó el gran putas, apresentado pelo dançarino togolês Vincent Harisdo. Me lembrei imediatamente de ter tomado conhecimento havia pouco do poema homônimo do colombiano Manuel Zapata Olivela.

Ao conversar com o dançarino e seu parceiro, o griot Bachir Sanogo, soube que Olivela havia sonhado ver aquele poema atravessando o Atlântico e ocupando as mentes dos africanos. Harisdo, que é de origem yoruba, comentou o quanto lhe parecia bom ouvir falar de seus deuses ancestrais do lado de cá, entre os descendentes que haviam sido privados da memória de seu povo.

O Changó el gran putas de Vincent Harisdo fala um pouco disto: as belezas imensuráveis das tradições africanas que habitam o corpo e a mente dos seus descendentes em todos os cantos do mundo. O quanto toda essa beleza tem sido escamoteada ao longo dos séculos, e o quanto nós resistimos mesmo assim, produzindo algumas das criações mais admiráveis (e admiradas) do nosso tempo.

O espetáculo, que traz o nome do orixá, é uma criação mestiça. Bachir Sanogo é descendente de uma longa tradição de griots malinkè. Com seus cantos em bambara e mossi, acompanhado de kamel ngomi (o instrumento de cordas que ele toca na foto acima), djembê, dumdum, cabaças e congas, ele sonoriza e dá vida aos passos do dançarino. Me falou de seus ancestrais como um povo vanguardista, pioneiros na domesticação dos cavalos (anterior aos árabes) e nas políticas de respeito à mulher (secularmente anterior às feministas do século XX). Uma das coisas que concluímos foi que, ao aceitarmos a África como nos é dada pela mídia mundial: um lugar de tristeza e dor, digno de pena e criações de ongs para enviar esmolas, estamos aceitando que a África que corre em nosso sangue é também esta.

Vincent Harisdo lembra que “gran putas” não é um palavrão, mas um grande elogio. Algo como “Xangô o fodão” ou “o puta deus Xangô”. Um oriki. Um oriki para nos lembrar que “gran putas” é esse povo que troa xangô pelo mundo afora, a começar pela dupla e seu ngunzu denso.

Para quem quiser conhecê-lo melhor: http://harisdo.free.fr/

Para quem quiser ouvir Bashir Sanogo: www.myspace.com/bachirsanogo
Quem quiser ler o poema de Manuel Zapata Olivela, olha aí o link para baixar o pdf: /chango-el-gran-putas-afro

Germaine Acogny: Songook Yaakaar

“Um pedaço de pau na água não vira jacaré”.
Ditado africano

Germaine Acogny está reflexiva e dialogante neste espetáculo, que esteve em cartaz por dois dias no Sesc Santos como parte da Bienal Sesc de Dança. O que está em jogo em meio aos seus movimentos, parece ser o lugar da África no mundo de hoje. Um mundo globalizado no qual a vida ávida sonora se confunde com os conceitos que nos construíram. A ideia-clichê de Nicolas Sarkozy de que “o drama da África é que o homem africano não entrou suficentemente na história”, uma falsa verdade, aparece aqui para discutir exatamente isso: o lugar da identidade negra num mundo que parece querer colocar de volta as coisas nos seus supostos lugares.

Germaine diz ser senegalesa e francesa. A plateia ri. Por que? Como aceitar binacionalidades? Como compreender o sentido da diáspora negra hoje? E principalmente (e esse parece ser o sentido da École des sables, sua escola em Dakar), como recriar o olhar identitário ultrapassando os discursos mais comuns e produzindo ali uma beleza que vá para além do mero exotismo?

Colocando em crise as possíveis leituras da identidade, ao final do espetáculo, que assistimos no dia 07 de setembro, Germaine recorda ao público que aquele era o dia da Fête de l’indépendance brasileira. E para celebrar, convida todos a dançarem também. Curioso é que o significado daquela independência parecia estar vazio na plateia. Por que? Quem for brasileiro e souber, que me responda.

A vertigem – Fedon, príncipe insigne

No último sábado, numa passagem rápida por BH, fui ver a peça A vertigem, com o grupo A Patela. Com texto de Patrícia Mc Quade, conta a história de Fedon, príncipe insigne que nos meandros da vida tornou-se escravo e filósofo, personagem de Platão, interlocutor de Sócrates. O monólogo traz à cena Robson Vieira. Num difícil trabalho corporal em meio à elocução do texto ricamente poético, Robson baila seu corpo mestiço em movimentos que nos remetem à Grécia, os discóbolos e a ideia da academia antiga. O espetáculo é dirigido por Claudio Márcio e teve curta temporada na Campanha de Popularização de Teatro. Em breve, pelo que sei, haverá uma outra temporada. Quando houver, deixo a dica e aviso aos desavisados.

A vertigem – Patela cia teatro & dança

Nos dias 24, 25 e 26 de setembro estréia em Belo Horizonte o espetáculo A vertigem, com o grupo Patela. Inspirado na vida de Fedon, príncipe insigne, escravo, bailarino de prostíbulos da Grécia antiga, discípulo de Sócrates. Sua trajetória é marcada pela dor e pelo amor, elementos básicos de sua filosofia. Personagem que deu título a uma obra de Platão, cuja vida guarda mistérios até mesmo sobre sua real existência.

A vertigem traz à cena Robson Vieira, que interpreta o papel de Fédon. A dramaturgia é de Patrícia Mc Quade em colaboração com o grupo e a direção é de Claudio Márcio.

O espetáculo começa às 20h, no Espaço Ambiente, na rua Grão Pará, 185 – Santa Efigênia, atrás do Lapa Multishow. Na sexta-feira terá um bate-papo após a sessão. No sábado e no domingo, a peça será exibida a preços populares.

Retour au pays de Patrick Acogny

Este ano o FAN – Festival de Arte Negra aconteceu em situação mais ou menos periférica. Digo mais ou menos porque a programação estava bonita, com convidados ilustres e competentes. As instalações bem feitas e bem organizadas, com dois grandes palcos e um Ojá (mercado em yorubá). Periférica porque foi empurrado para a orla da Lagoa da Pampulha. Embora bonito, um lugar fora de mão, com poucos ônibus. Difícil para quem não estivesse de carro e quisesse acompanhar a festa até mais tarde. Todo o mérito para os organizadores, o Rui Moreira e o Adyr Assumpção que, pelo jeito, levaram na cara e na coragem. Uma pena o novo prefeito não haver percebido que o FAN é a menina dos olhos dos festivais belorizontinos.

No vídeo acima, feito pela rádio Ojá, alguns momentos do espetáculo “Retorno ao país natal”, apresentado pelo Coletivo FAN da Dança (criado especialmente para o evento) e dirigido pelo coreógrafo senegalês Patrick Acogny. Quem acompanha é o grupo Uakti em colaboração com o griot Oumar Fandi Diop. Leo Gonçalves acabou colaborando um pouco também, enviando as traduções dos poemas de Léopold Sédar Senghor, Aimé Césaire e Léon Gontram Damas que são recitados pelas dançarinas durante o espetáculo.