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aimé césaire: 96 anos

hoje, dia 25 de junho de 2009, o poeta aimé césaire completaria seus 96 anos, não fosse os orixás o requisitarem para um bate papo no orum no meio de abril do ano passado. para celebrar, um poema de autoria dele sobre a bahia. quem quiser ler o original, favor clicar aqui.

Carta da Bahia de Todos os Santos

Bahii-a

Como que um gole arretado de cachaça na garganta de Exu e a palavra delirou em mim um relincho de ilhas verdes mulheres nadadoras salpicadas entre a imodéstia das frutas e um baque de papagaios

Bahii-a

a curva de um colar caído rumo ao seio aberto das águas bobinado no oco seus pentelhos de ressaca

Bahii-a

deriva de continentes, um ir-se de terra, um bocejo geológico na hora fastuosa da ancoragem, o cochilo à âncora e mal domado no lugar

Bahii-a

de nostalgia, de gengibre e de pimenta, Bahia das filhas de santo, das mulheres de Deus, com pele de camarão cor-de-rosa, com pele de vatapá também

Ah! Bahii-a!

Bahia de asas! de conivências! de poderes! Campo Grande para as grandes manobras do insólito! De todas as comunicações com o desconhecido, Central e Aduaneira.

De fato, de Ogum ou de são Jorge, não se sabe, nuvens solenes cruzaram a espada, intercambiaram pérolas, caniços, búzios rosados, búzios cor-de-malva, aranhas encrustadas, siris vorazes, lagartos raros

e a palavra termina no esfolamento clandestino dos mais altos senhores do céu

Ah! Bahia!

Esse foi então o entorpecimento de incenso azulejado de ouro numa pesada sesta na qual se fundiam juntos igrejas azulejas, marejos de além-morro de tambores, foguetes moles de deuses culminados, de onde a manhã se ergueu, dengosíssima, graves meninas cor de jacarandá, penteando lentamente seus cabelos de alga.

(Tradução de Leo Gonçalves)

Do livro ferrements et autres poèmes de Aimé Césaire

benjamin abras em dose dupla

hoje e amanhã, participo de duas performances de benjamin abras.

na primeira, que acontece hoje, 28 de maio, a partir das 20h na livraria usina das letras, no palácio das artes. falarei um dos poemas do livro falanges, que será lançado em meio às celebrações da semana da abolição.

na outra, a surpresa: os que forem amanhã, dia 29 de maio a partir das 20h ao tambor mineiro (rua ituiutaba, 339 – prado) serão os primeiros a me ver desempoeirar o violão na performance corpo tambor, onde benjamin emprega dança afro em meio a sonoridades inusitadas. tocarei ao lado de mateus valadares a peça musical que também se chama corpo tambor, de nossa autoria.

saiba mais no blogue do benja: www.benjaminabras.blogspot.com
corpo tambor - performance de benjamin abras no tambor mineiro

lançamento: revista roda nº 6

acho que ainda dá tempo: será lançada hoje a revista roda nº 6, comandada pelo mestre-sala ricardo aleixo. no novo número, uma porção de belezuras: homenagem aos 70 anos de nascimento e 40 de poesia e provocaçãm de sebastião nunes. na homenagem, um dossiê com entrevista, poemas, comentários de caras como bruno brum, glauco mattoso, ademir assunção. além de um poema de affonso ávila com o nome de “são sebastião da bocaiúva”. para quem já conhece a poesia desse cara que já é considerado um mestre de todas as gerações que vieram depois dele. além disso, a revista roda traz poemas do angolano abreu paxe, o cubano nicolás guillén, o mineiro paulo kauim e muito mais.

e em meio a este “muito mais”: o meu ensaio “os sessenta anos da anthologie – um livro inventa o presente“. uma espécie de homenagem aos 60 anos da primeira edição da anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache de langue française [antologia da nova poesia negra e malgaxe de língua francesa] organizada em 1948 pelo poeta e (então futuro) presidente do senegal léopold sédar senghor. meu ensaio traz também traduções de alguns poemas presentes na anthologie.

o lançamento acontece hoje, dia 16 de novembro, às 18h, no estande do Lira, instalado no 9º encontro das literaturas, no chevrolet hall.

revista roda nº 6 + um poema de léon gontram damas

vem aí a 6ª edição da revista roda repleta de intensas pulsações. já posso noticiar aqui que assino um dos textos que virão. um artigo repleto de poemas sobre os 60 anos da anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache de langue française [antologia da nova poesia negra e malgaxe de língua francesa], organizada em 1948 por léopold sédar senghor, uma antologia manifesto – um marco na história do movimento literário-cultural que ficou mundialmente conhecido como “negritude”. enquanto esperamos pela benvinda chegada da publicação, uma oferenda: o poema “saldo” de léon gontram damas (que não aparecerá na roda):

saldo

tenho a impressão do ridículo
quando estou nesses sapatos nesse smoking
nessa gravatas nesses colarinhos
nesses seus monóculos nesse chapéu-coco

tenho a impressão do ridículo
com meus artelhos que não foram feitos para
transpirar da manhã até a noite que despe
com tanta malha me enfraquecendo os membros
e arrebata de meu corpo sua beleza de tapa-sexo

tenho a impressão do ridículo
com meu pescoço em chaminé de usina
com essas enxaquecas que cessam
cada vez que saúdo alguém

tenho a impressão do ridículo
em seus salões em seus modos
suas reverências suas fórmulas
sua múltipla necessidade de macaquices

tenho a impressão do ridículo
em tudo o que eles contam
até que te servem à tarde um pouco de água quente
e docinhos resfriados

tenho a impressão do ridículo
com as teorias que eles temperam
ao gosto de suas necessidades de suas paixões
de seus instintos abertos à noite em forma de esteira

tenho a impressão do ridículo
entre eles cúmplice entre eles gigolô
entre eles degolador as mãos temerosamente vermelhas
do sangue de sua civilização

solde
j’ai l’impression d’être ridicule/dans leurs souliers dans leur smoking/dans leur plastron dans leur faux col/dans leur monocle dans leur melon//j’ai l’impression d’être ridicule/avec mes orteils qui ne sont pas faits pour/transpirer du matin jusqu’au soir qui déshabille/avec l’emmaillotage quim’affaiblit les membres/et enlève à mon corps sa beauté de cache-sexe//j’ai l’impression d’être ridicule/avec mon cou en cheminée d’usine/avec ces maux de tête qui cessent/chaque fois que je salue quelqu’un//j’ai l’impression d’être ridicule/dans leurs salons dans leurs manières/dans leurs courbettes dans leurs formules/dans leur multiple besoin de singeries//j’ai l’impression d’être ridicule/avec tout ce qu’ils racontent/jusqu’à ce qu’ils vous servent l’après-midi un peu d’eau chaude/et des gâteaux enrhumés//j’ai l’impression d’être ridicule/avec les théories qu’ils assaisonnent/au goût de leurs besoins de leurs passions/de leurs instincts ouverts la nuit en forme de paillasson.//j’ai l’impression d’être ridicule/parmi eux complice parmi eux souteneur/parmi eux égorgeur les mains effroyablements rouges/du sang de leur civilisation/

a utopia brasileira e os movimentos negros

a utopia brasileira e os movimentos negros, de antônio risério

acabo de ler um dos melhores livros que tive em mãos nos últimos tempos: a utopia brasileira e os movimentos negros do poeta e antropólogo antônio risério. não fosse estar atarefadíssimo nos últimos dois meses, teria lido o livro numa talagada só. mesmo assim, muita gente deve ter me visto andando por aí feito um louco, caminhando pelas ruas com o livro na frente, às vezes apressado para chegar no próximo compromisso, mas lendo sofregamente – ansioso para saber o próximo passo, a próxima palavra, o próximo beliscão. confesso que quando vi pela primeira vez na livraria o título “a utopia brasileira e os movimentos negros”, tive um certo desânimo: mais um livro avaliativo sobre o movimento negro no brasil. além disso esse papo de “utopia brasileira”… sei não. olhei com certa desconfiança, mas fui especialmente atraído pelo nome do autor. e não me arrependi. risério é, para quem não o conhece, no mínimo um dos caras que, com seu livro “oriki, orixá”, mais me fez a cabeça nos últimos anos. você lê um pouco sobre ele na revista zunái. o impacto desse novo livro é tão forte pra mim, que ainda preciso digerir um pouco. em breve, quero colocar aqui a minha resenha. enquanto não faço isso, deixo vocês com o índice do livro. segundo o marcelo terça, era um dos poemas que eu devia ter lido no sarau do dia 13 de maio lá no balaio de gatos. recitado outro dia pelo amigo helder quiroga, a sugestão se mostrou interessante.

A UTOPIA BRASILEIRA E OS MOVIMENTOS NEGROS

por um olhar brasileiro
mestiçagem em questão
mulato, o visível e o invisível
em busca de ambos os dois
a morte dos deuses nos EUA
presença de exu
sob o signo do exorcismo
sincretismo e multiculturalismo
trilhos urbanos
palavras, palavras, palavras
imagens, tambores e melodias
a escola brasileira de futebol
movimentos negros ontem
movimentos negros hoje
a nova história oficial do brasil
toque final

black or white, totem, tabu e algumas palavras do caetano veloso

“eu não gosto dessa vontade desesperada de ser americano”. é o que diz o caetano veloso, que está lá no obra em progresso lançando belas bombas. (dica surpreendente do ric)

eu também não gosto, caetano: oswald de andrade, quando lançou o manifesto antropófago, falou: a transformação constante do tabu em totem. quer dizer, pegar a palavra-tabu “antropofagia” (a vergonha indígena nacional tupiniquim) e transformá-la num totem, num objeto de adoração, culto e respeito.

depois vieram os negros francófonos, léopold sédar senghor e aimé césaire, pegaram as palavras “negritude” e “mestiçagem”, que eram usadas para oprimi-los e criaram um movimento literário-político-cultural que abalou as centenárias estruturas do poder franco-europeu, além de inspirar milhões de jovens negros a se afirmarem como o que eles realmente são.

não sei para quê ter medo das palavras. se eu disser que sou negro, se eu disser que sou preto, tudo é poesia. mas se eu disser que negro (ou preto ou black ou nigro ou nigger ou nègre ou négro ou negger ou noir) é politicamente incorreto, eu estou estigmatizando a cor. e é isso que estão fazendo agora, quando mandam a gente falar “afrodescendente”. se eu disser isso, vou ter que falar também que sou eurodescendente? indiodescendente? nipodescendente? arabodescendente?!

não dava para aprender a lição dos mestres?

saravá de celebração dos 120 anos da extinção da escravatura no Brasil

na próxima terça-feira, 13 de maio, a partir das 19h, o projeto escrituras TIPOgráficas lança seu segundo número, com o poema navio negreiro, de castro alves. o lançamento, que comemora a passagem dos 120 anos da abolição da escravatura no brasil, faz parte da programação de reabertura do recém-ampliado bar balaio de gato.

a nova edição de navio negreiro será apresentada ao público com performance especialmente concebida por ricardo aleixo, com as participações especiais do músico e ator gil amâncio, do músico benedikt wiertz, do poeta e compositor waldemar euzébio, da cantora gabriela pilati e do poeta e tradutor leo gonçalves (este que vos fala) homenageando o poeta antilhano aimé césaire, recentemente falecido.

programa:

terça-feira, dia 13 de maio de 2008 a partir das 19h

no bar balaio de gato
rua piauí, 1052
navio negreiro estará à venda com preço especial de lançamento, tira-gosto afro e drink-cortesia.

entrada franca

(para mais informações: jaguadarte)

às vésperas do dia 13 de maio


o próximo dia 13, é data cívica importante para o brasil por dois motivos: 1) em 1888, a princesa isabel assinou um decreto que abolia a escravidão em todo o território do país. 2) embora a lei “extingüisse” a escravidão, isso não significava que ela estava “libertando” os escravos. mas uma vez soltos, era preciso reencontrar o seu lugar de dignidade no planeta. por isso, o dia 13 é um dia de reflexão.

passados 120 anos da lei áurea, temos diante de nossos olhos uma realidade: o racismo existe e faz com que uma imensa massa de pessoas com pele escura seja mais pobre e tenha menos oportunidade que a maioria das pessoas de pele clara. mas somos todos mestiços. no final das contas, como se costuma dizer, racistamente ou não, todos nós temos um pezinho na áfrica.

por isso, às vésperas do 13 de maio, quero lembrar dois dizeres que me parecem iluminadores. o primeiro é o do meu amigo amadou abdoulaye diop, que numa conversa em 2006, às vésperas da semana cultural do senegal, me disse: “já vi muitos brasileiros dizendo que são descendentes de escravos. é um erro. eles são descendentes de um homem livre lá na áfrica”. ir mais além. ultrapassar as fronteiras da dor.

a outra fala é o trecho de um discurso de léopold sédar senghor na ocasião de um sommet de países africanos:

o que nos liga está para além da história. está enraizado na pré-história. reporta à geografia, à etnia e, portanto, à cultura. é anterior ao cristianismo. é anterior ao islã. é anterior a toda colonização. é esta a comunidade cultural que eu chamo: africanidade. e eu a definirei como o conjunto de valores africanos de civilização. que ela apareça sob seu aspecto arabo-berbere, ou sob seu aspecto negro-africano, a africanidade apresenta sempre o mesmo caráter de paixão no sentimento de vigor na expressão.

eu sei que nossas línguas vernaculares são diversas de norte a sul, do árabe ao hotentote. ela apresenta, entretento, uma série de caminhos que as religam uma à outra. nossas raças são diversas. desde a pré-história elas se miscigenaram. a consciência de nossa comunidade cultural, de nossa africanidade, é um pré-requisito a todo progresso no caminho da unidade. sem ela não é possível haver vontade, e ainda menos esforço de eficácia e de unidade.

eu não nego que temos também, em comum, nossa situação de países sub-desenvolvidos que se caracteriza por um certo número de traços que eu resumirei assim: sub-alimentação e sub-produtividade devido à insuficiência de capital e de técnicos preparados. mas para sair precisamente dessa situação material e técnica, precisamos apelar para uma energia espritual. precisamos, juntos, forjar para nós uma arma comum. nós temos esta arma, que se encarna na africanidade. basta reconhecê-la e assumi-la corajosamente. o que supõe que nós comecemos por rejeitar todo fanatismo racial, lingüístico e religioso. então, mas somente então, poderemos definir decididamente o nosso objetivo. (L. S. Senghor)

Homenagem a Aimé Césaire

negro spirituals
a aimé césaire

que a sua alma vibre sua cor
no cortejo que a leve
leve segundo eguns
num retorno à terra natal

vestiremos nosso luto branco
iremos celebrar a sua nova coorte
elelelê epababá amigo aimé
o seu novo lugar

que a alma cante malandra
numa língua de aruanda
o negro spirituals
acompanhando sua travessia

comming for to care you
at home