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mais um poema da série

espreita matreiro entre as folhas de relva
essa caça não é presa fácil
silêncio (a pausa exata
entre o salto da caça
e o gesto do caçador)
o cara que caça
acha a faro
o aro da presa
o arco retesa
se ergue se abaixa
o vento uiva em seus ouvidos
e mesmo de olhos abertos
e mesmo de olhos fechados
a flecha voa e acerta de cheio
uma palavra de carne: mutacalambô*

*mutacalambô: um dos nomes do orixá “oxossi” nos terreiros de angola. segundo a tradição, teria sido no local onde caiu a flecha de oxossi é que se fundou a nação de ketu. grande parte dos terreiros brasileiros de umbanda e de candomblé são consagrados a esse importante orixá. alguns o identificam com são jorge (na bahia especialmente), mas na simbiose afrocristã, o mais recorrente é são sebastião, um santo rebelde.

quando se fala em mutacalambô, o caçador, pensa-se automaticamente nas matas e na fartura. mas numa visita recente ao rio de janeiro, percebi que ele tem uma fortíssima presença, talvez em termos de malandragem, naquela cidade conhecida nos tempos coloniais como cidade de são sebastião.

outro poema

caiaia

cai água
cai água
cai água
ai ai ai
cai água

cai água
que é doce
cai água
que é sal
cai água
cai água

cai água
no mar
cai água
no lá-
crimejar
cai água

cai gota
com gota
cai gota
cai gota
cai gota

me leva na
enchente um
presente
de lírios
e a pele
menina
desliza

cai água
de leve
na escala
cai água
cai água
de leve
que ela é
delicada

e brava
com calma
cai água
da palma
cai água
cai água
cai água

menina
de saia
com mecha
ondulada
regala
de flores
a orla
da praia
cai água
cai água
cai água

*caiaia, caiala, mikaia: são alguns dos nomes banto da divindade afro-brasileira mais amada do brasil, melhor conhecida como iemanjá.

um poema

canto para matamba

eu canto os estampidos de matamba
paixão nas faíscas de zaze
mulher búfalo – beleza pura do benin
oiá ô eparrei eparrei eparrei
olha o vento na saia dela oiá ô
olha a chuva no cochicho dela oiá ô

eu canto as ventanias de matamba
porque quando o alízio desce
porque quando o siroco sobe
cicia malícia no pelo do ventre
como um baque de delicadeza

então eu canto pelos pelos dela
meus passos sob atabaques
cuícas de uagadugu koras de dakar
meus passos pelas cortes do sahara
e os batuques de tumbuctu

ela zanza com pés de gato
e pele de leopardo
ziguezague nas terras de zambi
seu corpo eletrificando
as fuligens do seu amado
carrega o cântaro de tempestade
o sangue o azeite e o vinho de palma

mas não nada de meio termo
sangue do mais vermelho
derramado das veias da vida
derramado das veias da morte
sangue espesso fervido no metal quente
sangue ardente colhido para fioritura

eu canto a beleza de matamba
e o batuque das nuvens de chumbo
entre as chuvas e as tempestades
derramadas das veias do amor
eu canto a labareda de matamba
eparrei eparrei oiá ô

*este poema apareceu pela primeira vez entre as folhas de girapemba.

.

um pouco de vocabulário pode ajudar a curtir melhor:
dakar: capital do senegal
kora: instrumento de cordas, muito tocado pelos griots do senegal.
matamba, oiá, iansã, motumba, bamburucema, santa bárbara: são alguns dos muitos nomes de um dos orixás mais respeitados nos terreiros do Brasil e da iorubalândia (que inclui nigéria e Benin). primeira esposa de xangô, mulher independente, guerreira, a palas atena do panteão afrobrasileiro.é ela a labareda, dos afro-sambas de vinicius de moraes e a rainha dos raios de caetano/gil.
tumbuctu: importante cidade às margens do sahara.
uagadugu: importante cidade do noroeste africano, capital de burkina faso.
zambi: o nome banto de olorum. divindade que corresponde a “deus” na simbiose afro-cristã.
zaze: é o nome banto de xangô.

je te lançais de mes crachats sur le sublime
et t’attendais dans un coin des heures mortes
je savais bien que tu ne venais pas
et tu riais
et tu riais
et tu riais

je t’attendais dans un coin aux heures mortes
d’amour avec curitiba et personne ne venait
ton amour était rien aux heures mortes
tu ne venais pas
tu ne venais pas
tu ne venais pas

je te déchirais de tout ton corps à l’eau de vie
et te disais d’aller aux gouffres de l’enfer
tu dansais sur me crachats sur mes crachats
et buvais
et buvais
et buvais

et je vivais pour adoucir bien ta faveur
et ma cravate était percée dans ton poil
je me promenais par les coins les petites places
et tu mentais
et tu mentais
et tu mentais

j’enregistrais sur le détail chacun de nos rêves
pour présenter au fantastique à la chaîne mondiale
tu dansais toute la nuit sur mes crachats
e je dansais avec toi sur mes épaules
à la chaîne mondiale
c’était ma fin
c’était ma fin
c’était ma fin

literatura de bordel

para cicciolina
e marcelo companheiro

o jornalista fotografa
a boceta filet-mignon da prostituta
aqui tudo pode
(ensaio com 75 poses caras e bocas e perversão)

de longe vem o rugido da horda
alegria um velho safado
consolo no rabo
porta aberta em senhorita lusbel

o guarda no batente se levanta
aponta o cassetete pra fazer seu certo
dá revista completa no sujeito
e termina pagando boquete
o ensaio sai no jornal nacional

nessa orgia deslavada
todo coitado quer meter o pau
repórter mariquita recatada
quis mamar na teta seca dessa vaca
cobriu a batucada na semana passada
voltou prenhe de um casal de maritacas

por aqui, tudo é amor
aqui todos tomam nos cus
seu tião faz sacanagem pura
pra avisar que o que é bom se faz aqui
o buraco não é só embaixo
& a festa é na coluna social
todos os direitos reservados:
conversa de microfone, classe média no mediano
grana jogada de grila, verdinhas, verdinhas e verdões

mas quem mais ganha nessa brincadeira
é a puta e o delegado, o programa do jô e o jornal nacional:
glória à audiência nas alturas,
e putaria aqui na terra, amém.

a moda da moça bonita

querida mulher
sempre às sete da manhã
cheiro tanto o seu chulé
que às oito em ponto
estou completamente tonto.
nove horas: você me dá um fora
e noves fora
passa as dez e passa as onze
numa armadura de bronze

meio dia e meia
você ainda está de cara feia
e assim passa a sua tarde
com uma cara toda emburrada
enquanto o sovaco arde
decorando tabuada.

chega a hora do recreio
aí você se lembra de mim:
eu sou um cara manero
mas eu fui ao banheiro
e o banheiro estava cheio
uma fila enorme
todo mundo de uniforme.

quando toca o sinal,
é a hora final
pra fazermos as pazes
vou fazendo umas frases
de efeito garantido:
“só vivo contigo,”
“só penso em você,”
“dó lá si dó”
“sol fá mi ré”
“ré ré ré ré.”

mas você não dá bola
nem olha pra mim
um beijo de esmola
que é quase sem fim.
mas nem ligo pra isso
eu sei que você me ama
eu sei que você me quer
e um dia ainda me chama
pra cheirar pra sempre o seu chulé.

assoviando blake [visões]


assoviaria blake por ruas mapeadas/ nas muradas do arrudas/ de concreto armado/ as ruas da cidade têm dono/ as putas da cidade não têm dono/ caminharia pelas ruas/ putas da cidade da moral concreto armado/

diria à mendiga e ao mendigo que eles são amados/ na minha orgia por poetas e baratas/ e eles se levantariam de suas calçadas/ e me beijariam/ e com meu beijo/ se sentiriam nutridos/

orgias de poetas, palavras/ gravadas no papel/ como palavras gravadas nas cascas/ das árvores/ ou como palavras gravadas/ nas cascas do corpo/ ou como corpo gravado no tempo/ ou como o tempo gravado no nada/ como um copo vazio/

assoviaria blake/ solitário/ ouvindo o poeta guarani nascido agora aqui/ há duzentos e cinqüenta anos/ e que não está na história/ não quis se chamar árcade ou clássico ou poeta ou romântico/ ou esdrúxula do gênero:/ mas árvore cético mágico cínico/ ou único libertador/ porque não escrevia a liberdade tardia/ onde o prazer amanhecia e entardecia sem dono/

assoviaria blake pelas ruas sem nome/ aspirando o mesmo lugar dourado/ e um girassol/ limitado-ilimitado/ à margem do rio podre/ sem nunca debruçar sobre sua murada/