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Musique nègre na Musa Rara

O site do Musa Rara já chegou transbordando. Com um design bacana, repleto de novidades a cada dia, ausente de panelinhas, criativo ativo. Ali você encontra contos, poemas, crônicas, ensaios, resenha, traduções de poesia e até mesmo uma TV Musa, organizada pelo admirável casal Gércio Tanjoni e Elizete Lee. Participam da editoria: Ana Peluso e Adrienne Myrtes. O editor-visionário, criador e animador é ninguém menos que o poeta Edson Cruz, amigo recente na Pauliceia, um dos criadores de um outro site admirável e com moldes parecidos, o portal Cronópios e autor do livro Sambaqui, lançado pela Crisálida em 2011.

Tive a honra de ser convidado a participar. Minha primeira colaboração (outras virão) é a pequena série de traduções de poemas do haitiano Léon Laleau que publiquei originalmente no Suplemento Literário de Minas Gerais em junho de 2010. Personagem importante na história de seu país, ele foi uma das principais figuras do modernismo haitiano. Autor de romances e livros de poesia, sua obra me lembra um pouco os ideais do modernismo brasileiro e da antropofagia oswaldiana.

Para ler Laleau é lá: www.musarara.com.br/musique-negre

Dois poemas de Langston Hughes

Eu, Também

Eu, também, canto a América

Eu sou o irmão mais preto.
Quando chegam as visitas,
Me mandam comer na cozinha.
Mas eu rio
E como bem,
E vou ficando mais forte.

Amanhã,
Quando chegarem as visitas
Me sentarei à mesa.
Ninguém ousará,
então,
me dizer,
“Vá comer na cozinha”.

Além do mais,
Eles verão quão bonito eu sou
E se envergonharão –

Eu, também, sou a América.

***

Negro

Sou Negro:
Negro como a noite é negra,
Negro como as profundezas da minha África.

Fui escravo:
Cesar me disse para manter os degraus da sua porta limpos.
Eu engraxei as botas de Washington.

Fui operário:
Sob minhas mãos ergueram-se as pirâmides.
Eu fiz a argamassa do Woolworth Building.

Fui cantor:
Durante todo o caminho da África até a Georgia
Carreguei minhas canções de dor.
Criei o ragtime.

Fui vítima:
Os belgas cortaram minhas mãos no Congo
Estão me linchando agora no Mississipi.

Sou Negro
Negro como a noite é negra
Negro como as profundezas da minha África.

(Traduções de Leo Gonçalves)

***

I, Too
I, too, sing America.//I am the darker brother./They send me to eat in the kitchen/When company comes,/But I laugh,/And eat well,/And grow strong.//Tomorrow,/I’ll be at the table/When company comes./Nobody’ll dare/Say to me,/”Eat in the kitchen,”/Then.//Besides,/They’ll see how beautiful I am/And be ashamed-//I, too, am America.

Negro
I am a Negro:/Black as the night is black,/Black like the depths of my Africa.//I’ve been a slave:/Caesar told me to keep his door-steps clean./I brushed the boots of Washington.//I’ve been a worker:/Under my hand the pyramids arose./I made mortar for the Woolworth Building.//I’ve been a singer:/All the way from Africa to Georgia/I carried my sorrow songs./I made ragtime.//I’ve been a victim:/The Belgians cut off my hands in the Congo./They lynch me now in Mississipi.//I am a Negro:/Black as the night is black,/Black like the depths of my Africa.

Fonte:
Hughes, Langston. Vintage. New York: Vintage Books, 2004.

Um gato de Jacques Prévert

O GATO E O PASSARINHO

Um vilarejo escuta entristecido
O canto de um pássaro ferido
É o único pássaro do vilarejo
E foi o único gato do vilarejo
Que devorou pela metade o passarinho
E o passarinho para de cantar
E o gato para de ronronar
E de lamber o focinho
E o vilarejo faz para o passarinho
Um maravilhoso funeral
E o gato que é convidado
Segue o cortejo atrás do caixãozinho de palha
Onde o pássaro morto está deitado
Carregado por uma menina
Que não para de chorar
Se eu soubesse que isso te machucaria tanto
Lhe diz o gato
Eu o teria comido inteirinho
E depois teria dito
Que havia visto ele voar
Voar até o fim do mundo
Para um lugar que fica tão longe
Que não se pode jamais voltar
Você teria sofrido menos
Apenas tristeza e saudade

Não se deve nunca fazer as coisas pela metade.

***

LE CHAT ET L’OISEAU

Un village écoute désolé/Le chant d’un oiseau blessé/C’est le seul oiseau du village/Et c’est le seul chat du village/Qui l’a à moitié dévoré/Et l’oiseau cesse de chanter/Le chat cesse de ronronner/Et de se lécher le museau/Et le village fait à l’oiseau/De merveilleuses funérailles/Et le chat qui est invité/Marche derrière le petit cercueil de paille/Où l’oiseau mort est allongé/Porté par une petite fille/Qui n’arrête pas de pleurer/Si j’avais su que cela te fasse tant de peine/Lui dit le chat/Je l’aurais mangé tout entier/Et puis je t’aurais raconté/Que je l’avais vu s’envoler/S’envoler jusqu’au bout du monde/Là-bas où c’est tellement loin/Que jamais on n’en revient/Tu aurais eu moins de chagrin/Simplement de la tristesse et des regrets//Il ne faut jamais faire les choses à moitié.

Jacques Prévert. Histoires. Paris: Gallimard, 1946.

Postei este poema pela primeira vez em 2006, quando o Salamalandro ainda era no blogspot. Agora, depois de idas e vindas, textos e lidas, aqui vai outra vez, revisado. Para quem quiser ler, comparar, malfalar e criticar (todas as opções são benvindas, comentem aí), incluí o original. Você também pode ouvi-lo aqui, na voz de divertidas crianças francesas.

Birago Diop na Modo de Usar & Co.

Os que faleceram jamais se foram
Eles estão na Sombra que se ilumina
E na sombra que se enegrece.
Os Mortos não estão sob a Terra
Eles estão na Árvore que freme,
Estão na Madeira que geme,
Estão na Água que dorme,
Estão na Cabana, estão na Massa
Os mortos não estão mortos.

Birago Diop, “Sopro” (Souffle)

Na franquia eletrônica da Revista Modo de Usar e Co., editada por Ricardo Domeneck, Fabiano Calixto, Marília Garcia e Angélica Freitas, apareceram hoje 3 poemas de Birago Diop, traduzidos por mim.

Pouca gente o conhece, mas a figura de Birago Diop tornou-se um ícone para mim. Amigo de Léopold Sédar Senghor e Aimé Césaire, era um poeta bissexto. Celebrizou-se com seu livro Les Contes d’Amadou Koumba (1947), cujo personagem central é um griot.  Na sua minibiografia na Anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache de langue française, publicada em 1948 com prefácio de Jean-Paul Sartre, Senghor afirma: “é mais conhecido como contista. Mas na África Negra, a diferença entre prosa e poesia é mais uma questão de técnica e quão magra!”

Gosto muito de seu livro Leurres et lueurs (Présence Africaine, 1967). Especialmente os poemas “Souffle” [Sopro] e “Viatique” [Viático], nos quais o fetichismo pulula forte. Aí está um poeta para o paideuma (ou mãedeuma, segundo as tradições africanas) do Poemacumba.

Para você ler os poemas na Modo de Usar & Co., clique neste link:  www.revistamododeusar.blogspot.com

Fukushima exemplo contra o nuclear

O sistema nuclear é fundamentalmente insustentável, os acidentes são estatisticamente inevitáveis. Cedo ou tarde, outras Chernobils e outras Fukushimas acontecerão, provocadas por erros humanos, problemas de funcionamento internos, tremores de terra, acidentes de avião, atentados ou acontecimentos imprevisíveis. Parafraseando Jean Jaurés, pode-se dizer que o nuclear traz a catástrofe como a nuvem traz a tempestade.

(Trecho do artigo “Fukushima”, de Michael Löwy, publicado no dia 15 de abril no blog da editora Boitempo e traduzido por mim).

Léon Gontram Damas 99 anos

saldo

tenho a impressão do ridículo
quando estou nesses sapatos nesse smoking
nessa gravatas nesses colarinhos
nesses seus monóculos nesse chapéu-coco

tenho a impressão do ridículo
com meus artelhos que não foram feitos para
transpirar da manhã até a noite que despe
com tanta malha me enfraquecendo os membros
e arrebata de meu corpo sua beleza de tapa-sexo

tenho a impressão do ridículo
com meu pescoço em chaminé de usina
com essas enxaquecas que cessam
cada vez que saúdo alguém

tenho a impressão do ridículo
em seus salões em seus modos
suas reverências suas fórmulas
sua múltipla necessidade de macaquices

tenho a impressão do ridículo
em tudo o que eles contam
até que te servem à tarde um pouco de água quente
e docinhos resfriados

tenho a impressão do ridículo
com as teorias que eles temperam
ao gosto de suas necessidades de suas paixões
de seus instintos abertos à noite em forma de esteira

tenho a impressão do ridículo
entre eles cúmplice entre eles gigolô
entre eles degolador as mãos temerosamente vermelhas
do sangue de sua civilização

solde
j’ai l’impression d’être ridicule/dans leurs souliers dans leur smoking/dans leur plastron dans leur faux col/dans leur monocle dans leur melon//j’ai l’impression d’être ridicule/avec mes orteils qui ne sont pas faits pour/transpirer du matin jusqu’au soir qui déshabille/avec l’emmaillotage quim’affaiblit les membres/et enlève à mon corps sa beauté de cache-sexe//j’ai l’impression d’être ridicule/avec mon cou en cheminée d’usine/avec ces maux de tête qui cessent/chaque fois que je salue quelqu’un//j’ai l’impression d’être ridicule/dans leurs salons dans leurs manières/dans leurs courbettes dans leurs formules/dans leur multiple besoin de singeries//j’ai l’impression d’être ridicule/avec tout ce qu’ils racontent/jusqu’à ce qu’ils vous servent l’après-midi un peu d’eau chaude/et des gâteaux enrhumés//j’ai l’impression d’être ridicule/avec les théories qu’ils assaisonnent/au goût de leurs besoins de leurs passions/de leurs instincts ouverts la nuit en forme de paillasson.//j’ai l’impression d’être ridicule/parmi eux complice parmi eux souteneur/parmi eux égorgeur les mains effroyablements rouges/du sang de leur civilisation/

Léon Gontram Damas foi, ao lado de Léopold Sédar Senghor e Aimé Césaire, um dos principais mentores da négritude, movimento responsável por uma das melhores estetizações das lutas contra o racismo no século XX. Nasceu no dia 28 de março de 1912. Hoje, 28 de março de 2011, ele comemoraria seus 99 anos.

Poemas do Haiti no Suplemento

A edição de junho/2010 do Suplemento Literário de Minas Gerais estampou alguns poemas que traduzi do poeta haitiano Léon Laleau, um dos que mais admiro na língua francesa. Bem pouco conhecido, Laleau escrevia com ironia e bom humor.

O número 1330 do Suplemento traz ainda a participação de dois amigos: o Cleber Araújo Cabral, que, em parceria com Adriana Araújo Figueiredo, fala do escritor mineiro Wander Piroli, e o Eclair Antônio Almeida, que fala sobre e traduz Maurice Blanchot. E tem também poemas, contos, ensaios.

Para quem não sabe, o Suplemento é uma publicação do governo de Minas Gerais e agora é bimestral. A distribuição é gratuita, tanto na forma impressa quanto na virtual, que fica disponível no site da secretaria de cultura do estado. Quem quiser baixar o pdf, é só clicar aqui (ou na capinha do suplemento aí acima).

Não gosto de plágio

Mês passado eu li isto no blogue “Não gosto de plágio”, comandado pela corajosa Denise Bottmann:

numa ação movida pela editora landmark e pelo sr. fábio cyrino, estou sendo processada por pretensas calúnias contra os reclamantes, por ter publicado no nãogostodeplágio provas mostrando a prática de plágio nas traduções de persuasão, de jane austen, e o morro dos ventos uivantes, de emily brontë, ambas publicadas pela referida editora em 2007.

além de vultosa indenização por pretensos danos morais e materiais, os reclamantes solicitaram:
– “publicidade restrita”, isto é, que o processo corresse em sigilo de justiça,
– a remoção do blog nãogostodeplágio da internet, invocando o “direito de esquecimento”,
– “antecipação dos efeitos da tutela de mérito”, isto é, que a justiça determinasse a remoção imediata do blog antes da avaliação do mérito da ação impetrada.

No Brasil existe um curioso costume: interessadas em participar do incrível e promissor “mercado editorial brasileiro”, algumas editoras lançam clássicos da literatura universal cujo autor já se tornou Domínio Público (para não ter que pagar seus direitos autorais, mas principalmente para não serem processadas pelos detentores dos direitos) em traduções piratas.

– Traduções piratas?

– Sim. Veja como funciona: alguém vai até à livraria, encontra um livro traduzido e parafraseia palavra por palavra até tornar o trabalho do tradutor aparentemente irreconhecível. Depois publica a tradução sob um pseudônimo. Assim economizam uma parte da grana necessária para a edição. Depois fazem ainda uma publicação mais ou menos, organizam uma tiragem altíssima de modo a economizar bastante na gráfica e alcançam um preço unitário bem baixo. O resultado é uma obra clássica barata, pela qual o público vai facilmente se interessar sem muitos questionamentos. Afinal quem se interessa por saber quem são os tradutores de um livro? Muito pouca gente.

A lista de editoras desse tipo não é pequena. A Landmark é apenas uma das muitas. A Martin Claret é a mais conhecida. Mas temos também a Madras, a Hemus e por aí vai. O que fazer para se previnir? É sempre muito difícil julgar na hora da compra.

Há alguns anos, Denise Bottmann vem prestando um serviço incrível: compara, coteja, divulga traduções confiáveis e desconfiáveis. Tudo lá no nãogostodeplágio. Um verdadeiro exercício de paciência e persistência na arte de desmascarar.

Me parece incrível que tenha tardado tanto uma reação por parte das editoras. A petição do senhor Fábio Cyrino, por outro lado, foi um verdadeiro naufrágio. Logo em seguida, Denise (e Raquel Sallaberry, também incluída no processo), foram agraciadas por milhares de manifestações a seu favor. Blogues pelo país afora, matérias na imprensa, manifestos e petições. Confesso que este último fato acalmou meu pessimismo.

Veja mais notícias nos enlaces abaixo:

www.naogostodeplagio.blogspot.com

www.apoiodenise.wordpress.com

Um poema de Juan Gelman

À PINTURA

Dénise trabalha no Musée du Louvre buffet do 1º piso,
entre mesas ou ingleses ela conduz seu corpo com toda a decisão,
sua bunda é mais sonora que os mundos de Rubens
e é parecida com a esquina das pombas da Avenue des Champs Élysées.

Todo o dia o dia todo se mexendo se mexendo
solta espécie de pássaros que revoam ao seu redor
e a descrevem no ar saudando a grande cidade
antes de regressar docemente à sua carne.

Dénise trabalhava e nunca havia visto a Gioconda
mas seu quarto em Poissonnière
era um país sempre disposto para o amor,
Toda noite seu cheiro batia nas janelas.

Quando abraçava o homem olhava para a porta
como se a ternura fosse entrar de repente,
dela às vezes voavam pássaros escuros
como uma tristeza depois de haver amado.

(do Juan Gelman, tradução provisória de Leo Gonçalves)

A LA PINTURA

Dénise trabaja en el Musée du Louvre buffet del ler. piso,
entre mesas o ingleses ella conduce su cuerpo con toda decisión,
su culo es más sonoro que los mundos de Rubens
y se parece a la esquina de las palomas de l’Avenue des Champs Elysées.

Todo el día todo el día moviéndose moviéndose
suelta especie de pájaros que revolotean a su alrededor
y la describen en el aire saludando al gran pueblo
antes de regresar dulcemente a su carne.

Dénise trabajaba y nunca había visto a la Gioconda
pero su cuarto en Poissonniére
era un país siempre dispuesto para el amor,
cada noche su oleaje golpeaba las ventanas.

Cuando abrazaba al hombre miraba hacia la puerta
como si la ternura fuese a entrar de repente,
a veces se le volaban pájaros oscuros
como una tristeza después de haber amado.

Juan Gelman, no livro Gotán